Exercício

Terceira juventude: os benefícios de envelhecer activamente

Conhecer as alterações decorrentes do envelhecimento é vital para intervenção mais eficaz, com menor risco.

Já todos ouvimos falar dos benefícios que o exercício físico promove junto dos idosos. No entanto, os mecanismos que promovem esses benefícios nem sempre são conhecidos ou entendidos.


No que ao exercício diz respeito, o número de praticantes recreativos, ou até de desportos competitivos, aumentou drasticamente nos últimos 30 anos, o que nos permite supor que a população está mais consciente dos benefícios e da importância de adquirir hábitos de vida saudáveis.


Ora, de acordo com as previsões, que têm como base a população actual, o número de pessoas idosas no mundo aumentará de 6,9% da população em 2000 para uma projecção de 19,3% em 2050. Estes dados fazem antever que o número de atletas/praticantes de exercício físico sistematizado também aumentará.


Desta forma, é de vital importância que o Profissional do Exercício Físico tenha consciência das alterações que o envelhecimento provoca no ser humano, para que consiga intervir de forma mais eficaz e benéfica junto desta população, potenciando ao máximo os benefícios e diminuindo, de igual forma, os riscos.


Assim, este texto irá abordar algumas temáticas que considero importantes, tentando sempre inter-relacionar os vários itens de conhecimento, para um melhor entendimento.

Em seguida abordaremos:

• Força e Função Neuromuscular

• Função Cardiovascular

• Função Respiratória



FORÇA E FUNÇÃO NEUROMUSCULAR

Existe uma vasta literatura a descrever a diminuição da capacidade de gerar força máxima à medida que vamos envelhecendo.

De facto, apesar do nível de força necessária para realização das Actividades de Vida Diária (AVD’s) permanecer inalterado ao longo da vida, a produção de força máxima vai-se deteriorando, o que se traduz em dificuldades acrescidas na realização das mesmas.


A perda de força muscular relacionada com o envelhecimento resulta principalmente da perda substancial de massa muscular – que resulta em grande parte da redução da síntese proteica, bem como da perda de unidades motoras tipo II - lembrando a relação que a sarcopenia (doença degenerativa na qual existe a perda de 0.5% - 1% de massa muscular POR ANO) tem com o envelhecimento, bem como o papel preventivo e atenuante que o treino de força tem nesta síndrome.


Por outro lado, vários estudos demonstram uma diminuição no número e no diâmetro das fibras musculares como resultado do processo de envelhecimento. Um estudo levado a cabo por Lexell, J., Taylor, C.C., & Sjostrom, M. (1988) revelou que após os 50 anos de idade ocorre uma perda de 10% no número total de fibras musculares por década. (1)


Como se isto não fosse suficiente, à medida que o humano fica mais velho, ocorrem várias mudanças na capacidade de processamento de informações por parte do sistema nervoso, bem como na ativação dos músculos.

Assim, o idoso tem uma capacidade menor para detetar um estímulo, sendo que dessa forma o processamento da informação para a geração da respectiva resposta motora também fica afectada.

A velocidade de execução de movimentos simples e complexos fica reduzida devido a uma ativação mais lenta das unidades motoras nos idosos – homens mais velhos (~80 anos) apresentam velocidades de disparo mais lentas e contrações de duração mais longas, enquanto que homens mais jovens (~20 anos) exibiram velocidades de disparo mais altas e tempos de contração mais curtos. (2)

Estas alterações irão provocar dificuldades crescentes na realização de movimentos simples, sendo que existe um acréscimo de dificuldade quanto mais complexos os movimentos forem. Até a marcha (movimento perfeitamente automatizado por parte do sistema extrapiramidal) começa a ser afectada, surgindo as quedas.

Será falta de força? Falta de equilíbrio?


Com os dados anteriores percebemos que as alterações degenerativas provocadas pelo envelhecimento influenciam questões tão importantes como a propriocepção, sinergismo muscular, recepção e codificação de estímulos, percepção, reações posturais, produção de força, ritmização, geração de padrões de movimento estereotipados, equilíbrio, postura, etc.  


Assim, torna-se fundamental um constante abastecimento do SN do idoso, através da ofertas de estímulos adequados a nível qualitativo e quantitativo, procurando uma correcta e desafiante estimulação não só motora mas também cognitiva, pois como é sabido, o exercício físico é um dos mais importantes agentes preventivos quando falamos de doenças mentais degenerativas.



FUNÇÃO CARDIOVASCULAR 

Tal como ocorre com a função muscular, também a função cardiovascular declina com o processo de envelhecimento.

Uma das mudanças mais notáveis é a redução da frequência cardíaca máxima (FCmax), que diminui cerca de 1 bpm por ano, conforme envelhecemos.

Esta redução na FCmax pode ser atribuída a alterações morfológicas e electrofisiológicas no sistema cardíaco, especificamente no nó sinoatrial e no feixe de His, podendo haver atraso na condução cardíaca. Por outro lado, a sub-regulação de receptores beta adrenérgicos no coração pode também diminuir a sensibilidade cardíaca à estimulação pelas catecolaminas (3).


Para além da redução das respostas à estimulação pelas catecolaminas, também a contractilidade do miocárdio é menor, o que segundo evidências científicas recentes obtidas por imagem de doppler, indica que o coração não preserva completamente o mecanismo de Frank-Starling – este importante mecanismo, de uma forma simplificada, relaciona-se com a capacidade que o coração tem de regular o débito cardíaco, adaptando-se as variações do volume sanguíneo, modificando a sua contractilidade. Quando entra mais sangue no coração, ou seja o volume de sangue proveniente do retorno venoso aumenta, existe um aumento na distensão do tecido muscular dos ventrículos (havendo um aumento no comprimento das suas fibras musculares), fazendo com que a tensão capaz de ser produzida por esse músculo também aumente, e por consequência aumente a capacidade contráctil dos referidos ventrículos. Esta incapacidade para preservar o referido mecanismo ocorre provavelmente por causa da rigidez do ventrículo esquerdo e arterial (4).


No entanto, o treino diário iniciado precocemente tem um efeito preventivo, ajudando a minimizar este problema. Em sentido contrário, o efeito do exercício é limitado e variável quando o mesmo é iniciado numa fase mais tardia da vida.


Outro aspecto a ter em conta tem a ver com a redução do fluxo sanguíneo periférico à medida que envelhecemos. Por exemplo, estudos levados a cabo evidenciaram uma redução de 10 a 15% no fluxo sanguíneo para os músculos exercitados das pernas em atletas de meia-idade, independentemente da sobrecarga utilizada, comparativamente a atletas jovens (5).

Esta diminuição no fluxo sanguíneo deve-se a inúmeros factores periféricos, incluindo o bloqueio da simpatólise funcional (ex: um maior fluxo simpático para a musculatura ativa) e um redução nos vasos dilatadores locais. Porém, este aspecto é compensado pela maior diferença arteriovenosa de oxigênio (ocorre maior extração de oxigénio pelos músculos).

Assim, apesar da redução do fluxo sanguíneo que ocorre nos idosos, o consumo de oxigénio pelos músculos enquanto trabalham é semelhante entre idosos e jovens.


Como podemos verificar, a prática de exercício físico de forma regular e sistematizada, promove um conjunto de benefícios cardiovasculares, uma vez que nos idosos masculinos e femininos que se exercitam regularmente ocorre menor rigidez arterial e disfunção endotelial – esta disfunção relaciona-se com alterações no controle local do fluxo sanguíneo evidenciado por vasos sanguíneos envelhecidos, incluindo uma diminuição na capacidade do endotélio em liberar e responder a vasodilatadores como o óxido nítrico e as prostaglandinas.

É importante que o profissional de exercício entenda as modificações cardiovasculares promovidas pelo envelhecimento para uma correcta adequação quer dos exercícios, quer do tipo de actividades propostos/as.



FUNÇÃO RESPIRATÓRIA

Como seria expectável, o processo de envelhecimento também deixa as suas marcas a nível da função respiratória. Assim, tanto a capacidade vital (CV) como o volume expiratório forçado (VEF) diminuem linearmente com o avanço da idade. Em sentido contrário o volume residual (VR) aumenta, enquanto que que capacidade pulmonar total (CPT) permanece igual. Isto faz com que a relação VR/CPT aumente, o que na prática significa que menos ar poderá ser trocado no pulmão a cada ciclo respiratório.

Estas alterações são causadas principalmente pela perda de elasticidade do tecido pulmonar, bem como da parede torácica. Isto faz com que a realização de exercícios respiratórios seja de extrema importância quando prescrevemos um treino para idosos.

Os movimentos de “alça de balde” e “braço de bomba” realizados pelo esterno e pelas costelas deverão ser exercitados regularmente, por forma a que a capacidade dos músculos envolvidos na respiração seja preservada ao máximo, pois uma deficiente respiração pode acarretar uma série de complicações.


Em jeito de conclusão, penso que foram identificados e esclarecidos alguns aspectos importantes que devem ser tidos em consideração quando prescrevemos exercício físico para a população idosa, permitindo que consigamos exercer de uma forma qualitativa a nossa principal função na sociedade: sermos agentes promotores de saúde!


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Ver Mais

Fonte:

1. What is the cause of the aging atrophy? Total number, size, and proportion of different fiber types studied in whole vastus lateralis muscle from 15- to 83-year-old men. Jornal of Neurological Science

2. Motor unit firing rates and contractile properties in tibialis anterior of young and old men. J. Appl Physiol

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