Para uma das causas mais prevalentes de disfunção músculo-esquelética e mais provocativas de incapacidade – levando a danos sociais e económicos – a dor lombar e a degeneração das estruturas desta região da coluna continuam envoltas em grande confusão e controvérsia científica.
Além da desinformação geral, a ciência não apresenta grandes confirmações sobre a causalidade e a eficácia dos tratamentos para a dor lombar.
Assim, uma das questões mais importantes acerca desta temática é: são as alterações degenerativas, como as protusões e hérnias discais (entre outras), as principais causadoras de dor lombar?
Os dados científicos são inconclusivos, e aparentemente, a resposta mais correcta será “depende”.
Se por um lado Brikinji et al. (2015) fez uma revisão de literatura sobre a população não sintomática que revelou um grande nível de incidência de alterações degenerativas, sem qualquer tipo de sintomatologia (37% da população entre os 20 e os 30 anos teriam alterações discais e indivíduos com mais de 60 anos teriam cerca de 90% de hipótese de ter algum tipo de alteração estrutural - sem qualquer tipo de sintomatologia); por outro lado, o mesmo autor, no mesmo ano, tentou comparar novamente, numa revisão de literatura, se havia maior incidência de alterações na população sintomática comparativamente à não sintomática e os resultados levantaram controvérsia com a hipótese apresentada anteriormente - a população com dor lombar tinha maior percentagem de incidência de todas as alterações estruturais estudadas (apenas algumas significativamente diferentes), mas foram as poucas que conseguiram ter uma correlação de causalidade com a dor lombar. Curiosamente, as alterações que tinham uma correlação maior com a dor não foram aquelas consideradas de maior severidade em termos degenerativos.
Assim, em congruência com outros estudos sobre este pormenor, começamos a perceber que a população sintomática poderá ter uma maior incidência de alterações estruturais – não esquecendo a grande percentagem de indivíduos assintomáticos com degeneração da coluna lombar – mas que nem sempre isso significará dor lombar.
Factores como a etnia, a faixa etária e a compleição física poderão ser condicionantes importantes para aumentar a correlação de causalidade entre alteração discal e dor lombar. Por exemplo, em faixas etárias mais novas a incidência de protusões discais parece levar a uma maior probabilidade de dor lombar; a mesma alteração em idades mais avançadas (>50 anos) já não parece ser um factor de predisposição para dor lombar. Também o aumento de peso corporal poderá ser uma condicionante de agravamento nesta relação entre estrutura e função.
Para potenciar a discussão em torno desta disfunção músculoesquelética, um fenómeno que tem sido estudado é a regressão espontânea do disco intervertebral.
A herniação tem vários níveis dependendo da quantidade de material do núcleo do disco que está extrudido do seu anel, sendo que, teoricamente, quanto mais distante o mesmo material está do seu anel mais severa é degeneração/alteração.
No entanto, na maior parte dos casos, sem qualquer tipo de intervenção cirúrgica ou terapêutica ocorre uma regressão à normalidade - quer da sintomatologia (em média durando 6 semanas), quer da alteração discal (variando entre os 9 meses e 2 anos). Ou seja, sem qualquer tipo de tratamento, é expectável que a sintomatologia e a alteração melhore por si só.
O mais curioso é que quanto maior a severidade da hérnia, maior a probabilidade e rapidez de regressão espontânea do núcleo discal, ou seja, em casos de sequestro (separação total do material do núcleo do seu anel) há quase 100% de hipóteses de regressão num tempo médio de 9 meses; quanto mais leve a alteração, menor probabilidade de acontecer este fenómeno e maior o tempo de ocorrência. Tal deve-se a processos biomecânicos, vasculares e inflamatórios que beneficiam a resolução da alteração estrutural.
Desta maneira, é interessante perceber quais os tratamentos mais eficazes (mesmo tendo em consideração a informação anterior). Por exemplo, entre a cirurgia e o tratamento conservador (medicação, descanso ou fisioterapia) percebe-se que, num prazo de 2 anos, os resultados são muito similares. Normalmente com a cirurgia obtêm-se resultados mais céleres e com o tratamento conservador melhores resultados funcionais.
A verdade é que não há grande evidência na eficácia de qualquer tratamento na dor lombar e isto deve-se a várias razões:
1) a dor lombar é uma disfunção com causa multifatorial;
2) os tratamentos de fisioterapia descritos nos estudos são normalmente demasiado básicos;
3) os tratamentos nos diferentes estudos são diferentes pelo que não é possível comparar resultados.
Apesar de toda esta falta de evidência científica quanto à eficácia dos tratamentos mais usuais, aqueles que recebem maior consenso são o descanso ativo – ou seja atividade física/exercício controlando a sintomatologia – e a terapia cognitiva – maioritariamente baseada na educação.
A concordância no que respeita à eficácia destas duas metodologias pode estar relacionada com o facto da intensidade da dor ser inconsistente, o que aumenta consideravelmente o nível de participação social e a percepção de bem estar do indivíduo.
Clarifiquemos então estas inconsistências:
- a cirurgia é uma opção mas deverá ser o último recurso ou em presença de red flags (comprometimento neural ou outros sinais sistémicos);
- a alteração estrutural poderá ou não estar envolvida no processo doloroso (mas, ainda assim, acredita-se que havendo influência inicial desta condicionante, com o tempo, a sintomatologia e a própria estrutura volta à normalidade);
- as terapias conservadoras não apresentam grande eficácia a não ser o descanso activo e a educação.
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Artigo escrito por João Ferreira, fisioterapeuta licenciado pela Escola Superior de Saúde do Porto e mestre em Strength and Conditioning na St. Mary’s University Twickenham, é Certified Strength and Conditioning Specialist (CSCS) pela National Strength and Conditioning Association (NSCA) e exerce prática na clínica FISIOGlobal - Saúde Integral.