Saúde

Dor Cervical, a perspetiva de um médico cirurgião

A dor cervical é uma entidade clínica complexa, muito frequente e cujo conhecimento detalhado da sua epidemiologia, avaliação clínica e evolução são essenciais para um correto tratamento.

Artigo de opinião escrito por Eduardo Moreira Pinto, médico especialista em medicina desportiva e formador da Master para o Curso Cervcial - Avaliação e Intervenção do médico e fisioterapeuta. 

De acordo com o Global Burden of Disease Study, a cervicalgia é a quarta causa principal de anos perdidos por invalidez, ficando apenas atrás da lombalgia, depressão e artralgias. Há uma heterogeneidade substancial nas taxas de prevalência relatadas de dor cervical, no entanto, a maioria dos estudos epidemiológicos relata uma prevalência anual que varia entre 15% e 50%, com uma revisão sistemática a relatar uma taxa média de 37,2%. A maioria dos episódios agudos de cervicalgia tem tendência a resolver com ou sem tratamento, no entanto, quase 50% dos indivíduos continuarão a sentir queixas álgicas residuais ou episódios recidivantes posteriores.


Existem muitas formas de categorizar a dor cervical, incluindo duração, gravidade, etiologia e tipo (mecânica versus neuropática). Entre os vários sistemas de categorização, a duração é talvez o melhor preditor de resultado. Para uma variedade de tratamentos diferentes, constatou-se que a duração mais curta está associada a um melhor prognóstico do que a dor prolongada.


Um grande estudo epidemiológico retrospectivo conduzido em pacientes com dor radicular avaliados na Mayo Clinic descobriu que, embora a taxa de recorrência fosse importante (31,7%), num seguimento médio de 5,9 anos, 90,5% dos pacientes mantiveram-se assintomáticos ou sentiram apenas dor ligeira. Por outro lado, pacientes com scores de dor mais elevados apresentam uma maior probabilidade de evolução para cronicidade. As queixas clínicas associadas à coluna cervical são mais frequentes no sexo feminino, em pacientes com maiores níveis de escolaridade e com história de traumatismo prévio. Outras variáveis associadas à cervicalgia incluem genética, psicopatologia (depressão, ansiedade, somatização), distúrbios do sono, tabagismo, obesidade e estilo de vida sedentário.


Herbert von Luschka, anatomista alemão, foi o primeiro a descrever as mudanças no desenvolvimento das estruturas anatómicas da coluna cervical. As alterações degenerativas são mais comuns em C5 e C6 ou C6 e C7. Em termos patogénicos, a cervicalgia é causada maioritariamente por desequilíbrios ao nível muscular, ligamentar, de balanço sagital e alterações degenerativas que contribuem para a estenose do canal medular como patologia discal, hipertrofia do ligamento amarelo, listese, osteofitose e hipertrofia de facetas.


A história clínica e o exame físico, nomeadamente a avaliação sensitiva, motora e dos reflexos osteotendinosos são de extrema importância na avaliação inicial desta entidade de forma a discriminar e mapear a possível causa de dor. Por outro lado, é esta avaliação inicial, associada a um conhecimento da anatomia clínica e biomecânica da coluna cervical, que podem fornecer pistas importantes na distinção de dor neuropática vs mecânica e na exclusão de “red flags” (sinais graves de mielopatia, metastização ou infeção). O estudo imagiológico posterior, assim como a sua avaliação, é também essencial na avaliação e decisão terapêutica.


O tratamento da cervicalgia crónica é, na esmagadora maioria das situações, conservador, sendo apenas evidente uma indicação cirúrgica numa pequena percentagem de pacientes. Deste modo, a reabilitação enquadra-se como um pilar fundamental no tratamento desta entidade clínica. Em situações refratárias ao tratamento conservador e com uma história, exame físico e achados imagiológicos correspondentes, pode existir necessidade de intervenção cirúrgica.


Referências Bibliográficas


• Pinto EM, Teixeira A, Frada R, Atilano P, Oliveira F, Miranda A. Degenerative Cervical Myelopathy, A Review of Current Concepts. Coluna/Columna [Internet]. 2020 Dec [cited 2021 Apr 26]; 19( 4 ): 302-307


• US Burden of Disease Collaborators. The state of US health, 1990-2010: burden of diseases, injuries, and risk factors. JAMA. 2013;310(6):591-608.


• Fejer R, Kyvik KO, Hartvigsen J. The prevalence of neck pain in the world population: a systematic critical review of the literature. Eur Spine J. 2006;15(6):834-848.


• Hogg-Johnson S, van der Velde G, Carroll LJ, et al; Bone and Joint Decade 2000-2010 Task Force on Neck Pain and Its Associated Disorders. The burden and determinants of neck pain in the general population: results of the Bone and Joint Decade 2000-2010 Task Force on Neck Pain and Its Associated Disorders. Spine (Phila Pa 1976). 2008;33(4, suppl):S39-S51.


• Fernández-de-las-Peñas C, Hernández-Barrera V, AlonsoBlanco C, et al. Prevalence of neck and low back pain in community-dwelling adults in Spain: a population-based national study. Spine (Phila Pa 1976). 2011;36(3):E213-E219.


• May S, Gardiner E, Young S, Klaber-Moffett J. Predictor variables for a positive long-term functional outcome in patients with acute and chronic neck and back pain treated with a McKenzie approach: a secondary analysis. J Man Manip Ther. 2008;16(3):155-160.


• Royuela A, Kovacs FM, Campillo C, Casamitjana M, Muriel A, Abraira V. Predicting outcomes of neuroreflexotherapy in patients with subacute or chronic neck or low back pain. Spine J. 2014;14(8):1588-1600.


• Peterson C, Bolton J, Humphreys BK. Predictors of outcome in neck pain patients undergoing chiropractic care: comparison of acute and chronic patients. Chiropr Man Therap. 2012;20(1):27.


• Vasseljen O, Woodhouse A, Bjørngaard JH, Leivseth L. Natural course of acute neck and low back pain in the general population: the HUNT study. Pain. 2013;154(8): 1237-1244.


• Vos CJ, Verhagen AP, Passchier J, Koes BW. Clinical course and prognostic factors in acute neck pain: an inception cohort study in general practice. Pain Med. 2008;9(5):572-580.


• Pernold G, Mortimer M, Wiktorin C, Tornqvist EW, Vingård E; Musculoskeletal Intervention Center-Norrtälje Study Group. Neck/shoulder disorders in a general population: natural course and influence of physical exercise; a 5-year followup. Spine (Phila Pa 1976). 2005;30(13):E363-E368.


• Christensen JO, Knardahl S. Time-course of occupational psychological and social factors as predictors of new-onset and persistent neck pain: a three-wave prospective study over 4 years. Pain. 2014;155(7):1262-1271


• Hsu E, Atanelov L, Plunkett AR, Chai N, Chen Y, Cohen SP. Epidural lysis of adhesions for failed back surgery and spinal stenosis: factors associated with treatment outcome. Anesth Analg. 2014;118(1):215-224.

Ver Mais

Partilha este artigo

Share to Facebook Share to Twitter Share to Google + Share to Mail

Newsletter Fica a saber tudo para seres cada vez melhor. Regista-te aqui!