Exercício

Controlo motor: a complexidade do movimento

A geração de movimentos eficientes e habilidosos necessita que o nosso sistema motor encontre soluções para vários problemas inerentes ao controlo sensório-motor.

Artigo de opinião original escrito pelo formador Tiago Rocha, coordenador científico da Master Science Lab para a área do Exercício.

Para melhor entendermos esta integração existente entre sistema sensorial e sistema motor pensemos na seguinte situação: um jogador de hóquei no gelo remata para a baliza, numa fração de segundo o GR estende o braço, apanha o disco e impede o golo!

Esta situação faz com que existam vários “problemas” computacionais para o nosso cérebro resolver!

Hoje vamos falar nesses “problemas”, deixando para outra altura os mecanismos/operações computacionais que o nosso cérebro leva a cabo para realizar os movimentos pretendidos.

 👉🏽 Redundância (abundância)
O sistema motor humano possui um elevado número de graus de liberdade, em cada uma das escalas de observação. Por exemplo, a maioria das referências bibliográficas aponta para cerca de 650 músculos esqueléticos e mais de 200 articulações que permitem inúmeras combinações e formas de realizar o movimento desejado!

👉🏽 Ruído
O nosso sistema nervoso está contaminado com ruído, limitando a nossa capacidade para percepcionar com precisão e agir com acurácia. (Faisal et al., 2008). O ruído está presente em todas as fases do controlo sensório-motor, desde o processamento sensorial, passando pelo planeamento, até ao output do sistema motor. O ruído sensorial contribuí para a variabilidade na estimação tanto dos estados internos do corpo (ex: posicionamento da mão) como dos estados externos do ambiente (ex: localização do stick no solo). O ruído nos comandos motores tende a aumentar com o nível do comando motor (Jones et al., 2002; Slifkin and Newell, 1999)

👉🏽 Delays (atrasos)
Estão também presentes em todos os estágios do controlo sensório-motor, desde o delay na recepção da informação sensorial aferente até ao delay na resposta dos músculos aos comandos eferentes. Os delays aferentes situam-se na ordem dos 100ms, mas variam tendo em conta a modalidade sensorial (maiores para a visão comparativamente à propriocepção) e a complexidade de processamento (maiores para reconhecimento facial do que para percepção de movimento). A nível de delays eferentes, questões como velocidade de condução neural e propriedades musculares têm especial importância. Por exemplo, desde a geração do comando motor por parte do Córtex até à produção de força por parte de um músculo de um braço existe um delay de 40ms.

👉🏽 Incerteza
Reflecte o conhecimento incompleto quer em relação ao estado do mundo (ambiente), quer em relação à tarefa ou recompensa que possamos receber. Apesar desta incerteza poder ter como origem tanto o ruído como o delay, existem várias outras fontes de incerteza tais como: limitações na densidade dos receptores, ambiguidade no processamento sensorial, a própria ambiguidade do ambiente, como por exemplo a ocorrência de situações imprevisíveis.

👉🏽 Não estacionaridade
As propriedades do sistema motor podem mudar em diferentes escalas de tempo. Por exemplo, durante o nosso crescimento e desenvolvimento, as propriedades do nosso sistema motor mudam drasticamente à medida que os nossos membros crescem e mudam de peso, ao mesmo tempo que os nossos músculos ficam mais fortes, fazendo com que padrões de ativação similares dêem origem a forças de maior magnitude. Por outro lado, o delay relativo à condução nervosa diminui nos primeiros 2 anos após o nascimento, aumentando depois em proporção com o crescimento/alongamento dos membros (Eyre et al., 1991). Podemos também pensar nas mudanças que ocorrem com o envelhecimento, ao nível da diminuição da força, diminuição da secção transversal muscular, alterações nas propriedades das fibras musculares e que influenciam os delays eferentes! Da mesma forma, a diminuição da acuidade visual à medida que envelhecemos, adiciona incerteza ao feedback visual. Em escalas de tempo mais curtas, a forma como o nosso sistema motor responde aos nossos comandos motores pode mudar à medida que interagimos com objectos ou os nossos músculos ficam fatigados.

👉🏽 Não linearidade
O nosso sistema motor tem uma natureza altamente não linear. Por exemplo, a pool de motoneurónios exibe não-linearidade a nível do número, força e propriedades temporais das Unidades Motoras. Por outro lado, a força de um músculo depende do nível de ativação de uma maneira não-linear em relação à velocidade e comprimento muscular e é ainda afetada pelas propriedades do tendão. Os exemplos são vários.

Recuperando o exemplo do início do texto:

- Apesar do GR ver o disco a vir na direção da baliza, ele não tem certeza da quando e para onde o jogador apontou ou para onde o disco realmente irá - INCERTEZA

- Depois do GR estimar a possível trajetória do disco, o seu Cérebro deve determinar qual a estratégia motora a utilizar (quais das mais de 200 articulações e 650 músculos eles vai usar para mover o corpo e o taco para bloquear o disco) - REDUNDÂNCIA (ABUNDÂNCIA)

- Existe grande variabilidade na percepção do disco por parte do GR, bem como na ação do GR, devido ao ruído existente tanto no feedback sensorial, como na localização visual do disco, e ainda no comportamento motor do mesmo - RUÍDO

- O processamento do feedback sensorial e o output motor estão sujeitos a atrasos, com, por exemplo, a percepção visual do disco por parte do GR já desatualizada em cerca de 100ms - DELAY

- Durante um jogo, o GR tem de adaptar o seu sistema motor em função da fadiga que se vai acumulando, bem como alterações na superfície do gelo - NÃO ESTACIONARIEDADE

- O sistema motor do GR, que vai permitir a realização do movimento de defender o disco, é não linear - NÃO LINEARIDADE

Como podemos ver, a realização de um gesto motor é tudo menos simples!

Ver Mais

Partilha este artigo

Share to Facebook Share to Twitter Share to Google + Share to Mail

Newsletter Fica a saber tudo para seres cada vez melhor. Regista-te aqui!