Exercício

Energy System Development: como aplicar ao paciente com dor [2/2]

O Treino de DSE: como aplicar?

Estudos com um programa de DSE com a frequência de 3x por semana, e uma duração total de 6 semanas, levaram a uma melhoria na tolerância da dor, em indivíduos saudáveis, de 20,3% relativamente a estímulos nociceptivos isquémicos [2]. 

Em população sintomática, como os que sofrem de enxaquecas recorrentes, o treino de DSE levou a melhorias da condição, havendo sempre uma ressalva sobre o controlo das intensidades que terá de ser bastante individualizado. Até a eficácia do caminhar (ESD de baixa intensidade) foi estudada em pacientes com dor crónica, com benefícios efectivos e seguros. Os pacientes de dor lombar crónica beneficiam deste tipo de exercício pois melhora efectivamente os níveis de percepção de dor aumentando simultaneamente a função física e emocional [7, 14-16]. 

Aparentemente o aumento da tolerância à dor, associada aos efeitos crónicos do treino de DSE, acaba por estar muito associada à melhoria das capacidades físicas dos sujeitos em estudo, como é exemplo um estudo que visa os utilizadores de cadeira de rodas manuais com dor no ombro, onde uma melhoria de 10 pontos num questionário de dor é associado a uma melhoria de 8% do VO2peak [17]. 

Já na dor neuropática, com a natação como modalidade de exercício estudada, além da melhoria da sensibilidade mecânica (que se manteve até 4 semanas após término de treino) levou a alterações benéficas nos marcadores da patologia, que normalmente estão ligados à dor. Neste caso houve melhorias nos factores de crescimento nervoso, no factor neurotrófico derivado do cérebro e aumento na expressão do gânglio da raiz dorsal, assim como a reversão da hiperactividade dos astrócitos e dos microgliócitos, normalmente presentes em lesão nervosa. Na mesma população, com exercício, houve melhoria na EVA (Escala Visual Analógica) de 17%, vendo-se benefício da implementação de um protocolo de DSE neste tipo de pacientes [18, 19]. 

Em casos de Fibromialgia, a implementação de um programa domiciliário de DSE mostra efectividade na dor, qualidade de sono, função física e emocional [6, 12, 20].

Em sobreviventes de cancro da mama existe uma incidência de 50% de dor induzida por artralgia. A implementação de um programa (neste caso que incluía, para além do DSE, o treino de força) levou a melhorias de 29% na dor comparativamente aos 3% relacionados com os tratamentos convencionais. Também a severidade e interferência da dor nas actividades diárias acabaram por melhorar significativamente [21]. 

A síndrome de dor regional complexa tipo I (SDRC-I) é bastante presente em pacientes pós Acidente Vascular Encefálico. Não obstante tiveram, com um programa de DSE, um alívio avaliado em 89,9% e uma reversão dos sinais e sintomas normalmente associados a esta síndrome [22]. 

Esta tipologia de treino acaba por ter até influência ao nível de condições de dor crónica pós-operatória. Em casos de próteses da coxo-femural e joelho, a implementação de um programa de DSE pré-operatória baixou significativamente a sensibilidade à dor e foi associada ao alívio da dor após 6 meses de cirurgia, baixando drasticamente uma incidência notória de dor crónica nestas situações [23, 24].  

Apesar disto, numa opinião pessoal sustentada em evidência científica, não podemos deixar de incluir, como fundamental, o paciente no centro da intervenção pela educação. Mostrar e explicar o porquê e quais os mecanismos envolvidos no treino proposto para o seu problema sintomático melhora substancialmente a eficácia no mesmo, como alguns estudos já comprovaram. Após um período de 2 anos após início de intervenção de um programa de DSE e educação mostrou-se eficaz em mais de 31,2% que uma intervenção convencional [25, 26].

A maior questão – e que realmente ainda não está respondida com clareza – é a duração e a intensidade a que deve ser feito o DSE. Estudos que tentaram definir uma intensidade específica chegaram à conclusão que o exercício teria que ter uma intensidade, mínima,  entre 60%-75% VO2máx para que houvesse uma repercussão positiva ao nível da hipoalgesia. O mesmo autor mostra que em relação a hipoalgesia, quanto maior a intensidade mais efectiva a mesma, concluindo também que as intensidades moderadas acabam por ter uma HIE mas apenas localizada, não activando os mecanismos centrais de inibição de dor [8].

Se normalmente o que está descrito que o mais eficaz são as intensidades vigorosas, há casos em que tal não se confirma. Em patologias com deficit de inibição central de dor – como é o caso de fibromialgia e outras – as intensidades vigorosas acabaram por se mostrar contraproducentes no controlo da dor. Assim, as intensidades moderadas acabaram por serem as mais eficazes, por aumentarem a actividade bilateral da ínsula anterior (estrutura que disfuncional caracteriza a fibromialgia). Para aumentar a obscuridade neste campo, um estudo reviu que DSE de baixa intensidade acabava por proporcionar um aumento agudo da dor, por facilitação do sistema somatossensorial e assim a sensibilização ascendente [2, 3, 6, 8, 9]. 

Na verdade, é fundamental rever conceitos já falados noutros artigos da Master – Science Lab e monitorizar, neste caso, não só as cargas mas também a influência de determinado exercício na dor. Desta maneira, a partir de um programa baseado na intensidade (RPE) e dor percepcionada, conseguiremos individualizar e personalizar cada plano de treino a cada indivíduo de maneira a aumentar a eficácia do mesmo, sem levar ao abandono por parte do paciente [27, 28].

Em jeito de conclusão, percebemos então que o treino de DSE deve ser incluído com outras tipologias de treino – como o treino de força, nas suas várias vertentes, e de mobilidade – pela sua efectividade e segurança, em todas as populações. Conseguimos apontar hipóteses neurofisiológicas, neurovasculares, neuroinflamatórias e sociocognitivas para a influência do DSE na dor crónica. Na questão dos protocolos mais eficazes ainda não há definição, pelo que se em indivíduos saudáveis quanto mais intenso for o exercício maior é a HIE, em casos de disfunção inibitória central relativamente à dor aparentemente poderão ser contraproducentes, recomendando-se assim uma monitorização e controlo de intensidade baseada na percepção do paciente. Voltando novamente a ressalvar a importância que a educação tem na potenciação de resultados em qualquer tipo de intervenção, incluindo esta.

 

Referências:
1. Galdino, G., et al., The endocannabinoid system mediates aerobic exercise-induced antinociception in rats. Neuropharmacology, 2014. 77: p. 313-324. | 2. Jones, M.D., et al., Aerobic Training Increases Pain Tolerance in Healthy Indivudals. 2014, American College of Sports Medicine: Medicine & Science in Sports & Exercise. p. 1640-1647. | 3. Naugle, K.M., et al., Intensity Thresholds for Aerobic Exercise–Induced Hypoalgesia. Medicine and science in sports and exercise, 2014. 46(4): p. 817-825. | 4. Naugle, K.M. and J.L. Riley, Self-reported Physical Activity Predicts Pain Inhibitory and Facilitatory Function. Medicine and science in sports and exercise, 2014. 46(3): p. 622-629. | 5. Nijs, J., et al., A Modern Neuroscience Approach to Chronic Spinal Pain: Combining Pain Neuroscience Education With Cognition-Targeted Motor Control Training. Physical Therapy, 2014. 94(5): p. 730-738. | 6. Ellingson, L.D., et al., Exercise Strengthens Central Nervous System Modulation of Pain in Fybromyalgia. 2016, Brain Science. | 7. Irby, M.B., et al., Aerobic Exercise for Reducing Migraine Burden: Mechanisms, Markers, and Models of Change Processes. Headache: The Journal of Head and Face Pain, 2016. 56(2): p. 357-369. | 8. Micalos, P.S. and L. Arendt-Nielsen, Differential pain response at local and remote muscle sites following aerobic cycling exercise at mild and moderate intensity. SpringerPlus, 2016. 5(1): p. 91. | 9. Vaegter, H.B., G. Handberg, and T. Graven-Nielsen, Similarities between exercise-induced hypoalgesia and conditioned pain modulation in humans. PAIN®, 2014. 155(1): p. 158-167. | 10. Karlsson, L., et al., Intramuscular pain modulatory substances before and after exercise in women with chronic neck pain. European Journal of Pain, 2015. 19(8): p. 1075-1085. | 11. Stolzman, S., et al., Pain Response after Maximal Aerobic Exercise in Adolescents across Weight Status. Medicine and science in sports and exercise, 2015. 47(11): p. 2431-2440. | 12. Ellingson, L.D., et al., Does exercise induce hypoalgesia through conditioned pain modulation? Psychophysiology, 2014. 51(3): p. 267-276. | 13. Samut, G., F. Dinçer, and O. Özdemir, The effect of isokinetic and aerobic exercises on serum interleukin-6 and tumor necrosis factor alpha levels, pain, and functional activity in patients with knee osteoarthritis. Modern Rheumatology, 2015. 25(6): p. 919-924. | 14. You, T., et al., Helping elders living with pain (help): a randomized controlled pilot study. Innovation in Aging, 2017. 1(suppl_1): p. 662-662. | 15. Meng, X.-G. and S.-W. Yue, Efficacy of Aerobic Exercise for Treatment of Chronic Low Back Pain: A Meta-Analysis. 2015, American Journal of Physical Medicine & Rehabilitation. p. 358-365 | 16. O'Connor, S.R., et al., Walking Exercise for Chronic Musculoskeletal Pain: Systematic Review and Meta-Analysis. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, 2015. 96(4): p. 724-734.e3. | 17. Wilbanks, S.R., et al., Effects of functional electrical stimulation assisted rowing on aerobic fitness and shoulder pain in manual wheelchair users with spinal cord injury. The Journal of Spinal Cord Medicine, 2016. 39(6): p. 645-654. | 18. Toth, C., et al., A Randomized, Single-Blind, Controlled, Parallel Assignment Study of Exercise Versus Education as Adjuvant in Treatment of Peripheral Neuropathic Pain. 2014, Clinical Journal of Pain. p. 111-118. | 19. Almeida, C., et al., Exercise therapy normalizes BDNF upregulation and glial hyperactivity in a mouse model of neuropathic pain. 2015, Pain. p. 504.513. | 20. Vural, M., et al., Evaluation of the Effectiveness of an Aerobic Exercise Program and the Personality Characteristics of Patients with Fibromyalgia Syndrome: A Pilot Study. Journal of Physical Therapy Science, 2014. 26(10): p. 1561-1565. | 21. Irwin, M.L., et al., Randomized Exercise Trial of Aromatase Inhibitor–Induced Arthralgia in Breast Cancer Survivors. Journal of Clinical Oncology, 2015. 33(10): p. 1104-1111. | 22. Topcuoglu, A., et al., The effect of upper-extremity aerobic exercise on complex regional pain syndrome type I: a randomized controlled study on subacute stroke. Topics in Stroke Rehabilitation, 2015. 22(4): p. 253-261. | 23. Gill, S.D. and H. McBurney, Does Exercise Reduce Pain and Improve Physical Function Before Hip or Knee Replacement Surgery? A Systematic Review and Meta-Analysis of Randomized Controlled Trials. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, 2013. 94(1): p. 164-176. | 24. Vaegter, H.B., et al., Preoperative Hypoalgesia After Cold pressor Test and Aerobic Exercise is Associated With Pain Relief 6 Months After Total Knee Replacement. 2017, Clinical Journal of Pain. p. 475-484. | 25. Beasley, M., et al., Patient-reported improvements in health are maintained 2 years after completing a short course of cognitive behaviour therapy, exercise or both treatments for chronic widespread pain: long-term results from the MUSICIAN randomised controlled trial. RMD Open, 2015. 1(1). | 26. Jones, M.D., et al., Explicit education about exercise-induced hypoalgesia influences pain responses to acute exercise in healthy adults: A randomised controlled trial. The Journal of Pain, 2017. | 27. Micalos, P., et al., Efficacy of perceptually mediated aerobic exercise rehabilitation for treatment of chronic pain: A pilot study. Journal of Science and Medicine in Sport. 18: p. e158. | 28. Baiamonte, B.A., et al., Exercise-induced hypoalgesia: Pain tolerance, preference and tolerance for exercise intensity, and physiological correlates following dynamic circuit resistance exercise. Journal of Sports Sciences, 2017. 35(18): p. 1831-1837.
 

Autor do artigo:

João Ferreira é Fisioterapeuta, pela Escola Superior de Saúde do Porto, e Performance Specialist Level 1, pela EXOS. Tem formação em Functional Range Conditioning Mobility Specialist, pela Functional Anatomy Seminars de Dr. Andreo Spina, e soon-to-be Strength and Conditioning Specialist, pela National Strength and Conditioning Association (EUA). Possui ainda vasta formação, de referência mundial, na área da Terapia Manual e do Exercício. O autor tem interesse acrescido pelo exercício como metodologia de tratamento, recuperação e optimização de performance e pela sua monitorização, assim como também pela neurociência da dor. No seu percurso profissional destaca-se o trabalho desenvolvido no departamento médico de futebol do Futebol Clube do Porto e na FISIOGlobal, onde actualmente desempenha o papel de Fisioterapeuta e Performance Specialist com atletas de alto rendimento e não-atletas.

Ver Mais

Partilha este artigo

Share to Facebook Share to Twitter Share to Google + Share to Mail

Newsletter Fica a saber tudo para seres cada vez melhor. Regista-te aqui!