Saúde

Entendendo o controlo e aprendizagem motora

Como é que a relação entre indivíduo, tarefa e ambiente podem otimizar o controlo motor?

Artigo original escrito por Gustavo José Luvizutto, pós-doutorado em Neuroestimulação e formador da Master Science Lab.


Existem várias abordagens neurológicas usadas no tratamento do paciente com défice neurológico. Antes da década de 50, a reabilitação neurológica possuía uma forte orientação ortopédica e fazia uso de massagem, calor, técnicas ativas e passivas de movimento, tal como o uso de polias, suspensão e pesos (Partridge et al. 1997). Avanços nas últimas décadas ofereceram aos terapeutas maiores evidências nas áreas de neurociência, biomecânica e aprendizagem motora, surgindo a importância da interação entre o controlo motor, a tarefa a ser executada e o ambiente da terapia para obter melhores resultados (Royal College of Physicians 2004).


Bernstein (1967) reconheceu que era importante possuir uma compreensão das características do sistema do movimento e das forças externas e internas que atuam sobre o corpo, para desenvolver uma compreensão do controle neural dos movimentos. Sob o ponto de vista biomecânico, ele considerou os vários graus de amplitude fornecidos pelas articulações dentro do corpo e o controlo necessário para permitir que eles trabalhassem em conjunto como uma unidade funcional. Bernstein considerou o controlo de movimentos integrados a serem distribuídos pelos vários sistemas interativos trabalhando em cooperação. Ele afirmou que “a coordenação de movimentos é o processo de dominar os graus redundantes de amplitude do organismo que se move”, reconhecendo assim a importância da estabilidade e controle no movimento. Ele fez a descrição de como os músculos podem agir em sinergia para ajudar a solucionar este problema de movimento, tais como no controle postural e na locomoção.


Shumway-Cook e Woollacott (2007) ampliaram a teoria de Bernstein para descrever a abordagem dos sistemas, enfatizado que o comportamento motor nos humanos se baseia na interação contínua entre o indivíduo, a tarefa e o ambiente. Eles descrevem o movimento como resultante de uma interação dinâmica entre percepção, cognição e sistemas de ação, e destacam a habilidade do SNC de receber, integrar e responder ao ambiente para atingir um objetivo motor. Muitos sistemas e subsistemas trabalham em cooperação para a integração do movimento na função. Ambos trabalham hierarquicamente através de caminhos ascendentes e processamentos distribuídos em paralelos, onde muitas estruturas cerebrais estão processando a mesma informação simultaneamente (Kandel et al. 2000). O sistema nervoso usa um foco mutante de controlo dependendo de várias influências biomecânicas, neuroanatômicas e ambientais.


É a teoria da abordagem dos sistemas de controlo motor que compõe os alicerces para os princípios fundamentais de avaliação e tratamento compreendidos dentro do conceito de tratamento fisioterapêutico atual. O Conceito considera que o controlo motor é baseado num sistema nervoso que trabalha com distribuição hierárquica e paralela, realizando um processamento em vários níveis entre os muitos sistemas e subsistemas dentro desse processamento, vendo o potencial de plasticidade como sendo a base do desenvolvimento, aprendizagem e recuperação dentro dos sistemas nervoso e muscular.


Bernstein (1967) também descreveu a importância da repetição “variada” para aprendizagem e recuperação funcional. Tal repetição orienta as áreas corticais motoras a formar módulos discretos nos quais a atividade conjugada é representada como uma unidade, em vez de contrações musculares fracionadas e individuais (Nudo 2008). Atividades motoras eficientes, que exigem coordenação temporal que precisa de músculos e articulações, precisam ser praticadas muitas vezes e aplicadas a atividades do dia a dia para se manter a aprendizagem. A aprendizagem motora refere-se à mudança permanente no desempenho motor de um indivíduo como resultado de uma prática ou intervenção (Lehto et al. 2001). Os princípios da aprendizagem motora ajudam a identificar como podemos manipular o indivíduo da forma mais adequada, fazendo a função e o ambiente controlar as alterações neuroplásticas de longo termo para estimular o desempenho motor do indivíduo.


Há uma grande quantidade de estágios que são necessários para a aprendizagem de uma nova habilidade. Os estágios descrevem a progressão através do nível cognitivo para o automático, por meio do qual o desempenho é refinado e apresenta a continuidade da aprendizagem (Halsband & Lange 2006). Este processo demonstra os desenvolvimentos na representação cortical para a aprendizagem de uma nova habilidade. Teorias sobre aprendizagem motora sugerem que a participação ativa, a prática e objetivos significativos são essenciais para a aprendizagem (Winstein et al. 1997). Uma das características chave que precisa de ser levada em consideração em todos os aspectos da prática é a certeza de que uma situação é criada de forma a fazer com que o indivíduo se envolva em um processo de resolução de problemas que lhe permita desempenhar a tarefa (Marley et al. 2001). Descobriu-se também que quanto maior a prática, melhores são os resultados. Condições variadas e prática aleatória são mais efetivas para a aprendizagem motora (continuidade de desempenho), enquanto que condições estáticas e prática restrita são mais efetivas para melhorias no desempenho motor imediato (Marley et al. 2001). Os benefícios parciais e totais da tarefa praticada dependem da função a ser aprendida.


Os princípios da aprendizagem motora têm que ser levados em consideração com todos os pacientes. Eles precisam de ser escolhidos e facilitados apropriadamente para permitir que o indivíduo se mantenha ativamente envolvido em encontrar soluções para os seus problemas motores. A aprendizagem motora é, muitas vezes, comprovada não apenas pela maior precisão na aquisição de desempenho motor, mas pela variabilidade com que o indivíduo é capaz de executar a atividade (Majsak 1996). A importância de se dar ao indivíduo escolhas de movimentos ou diversidade nas estratégias de movimento é o que também permitirá que ele transfira suas habilidades para várias funções e ambientes. É necessário criar oportunidades nas quais o indivíduo resolva problemas e corrija os erros dos seus próprios movimentos, antecipando assim a continuidade e aplicação de habilidades para desempenhar atividades motoras práticas.


Referências Bibliográficas


Bernstein, N. (1967) The Coordination and Regulation of Movement. Pergamon Press, Oxford.


Halsband, U. & Lange, R.K. (2006) Motor learning in man: A review of functional and clinical studies. Journal of Physiology, Paris, 99 (4–6), 414–424.


Kandel, E.R., Schwartz, J.H. & Jessel, T.M. (2000) Principles of Neural Science, 4th edn. McGraw-Hill, USA.


Lehto, N.K., Marley, T.L., Ezekiel, H.J., et al. (2001) Application of motor learning principles: The physiotherapy client as a problem-solver. IV. Future directions. Physiotherapy Canada, Spring, 109–114.


Majsak, M.J. (1996) Application of motor learning principles to the stroke population. Topics in Stroke Rehabilitation, 3 (2), 27–59.


Marley, T.L., Ezekiel, H.J., Lehto, N.K., Wishart, L.R. & Lee, T.D. (2001) Application of motor learning principles: The physiotherapy client as a problem-solver. II. Scheduling practice. Physiotherapy Canada, Fall, 315–320.


Nudo, R.J. (2007) Post-infarct cortical plasticity and behavioral recovery. Stroke, 38 (part 2), 840–845.


Partridge, C., Cornall, C., Lynch, M. & Greenwood, R. (1997) Physical therapies. In: Neurological Rehabilitation (eds R. Greenwood, M.P. Barnes, T.M. McMillan & C.D. Ward), pp. 189–198, Taylor & Francis Group, London.


Royal College of Physicians (2004) National Clinical Guidelines for Stroke, 2nd edn. Royal College of Physicians, London.


Shumway-Cook, A. & Woollacott, M.H. (2007) Motor Control: Theory and Practical Applications, 3rd edn. Lippincott Williams & Wilkins, Baltimore.


Winstein, C.J., Merians, A. & Sullivan, K. (1997) Motor learning after unilateral brain damage. Neuropsychologia, 37, 975–987.






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