Saúde

Low touch economy

“Win the Fight, Win the future”. Os tempos que enfrentamos são a motivação perfeita para uma reflexão acerca da covid-19, a fisioterapia e a terapia manual.

Artigo da autoria de Ricardo Vieira,
Fisioterapeuta | Osteopata | Blogger | CEO & Founder EMOV

Vivíamos num presente recente embebidos num sentimento geral de empoderamento, de dominância, de confiança na raça humana e na sua superioridade quasi de HOMO DEUS. O ego, o excesso de confiança e a impreparação amplificou o sentimento de devastação e impotência causado pelo sars-cov 2. A vida como a conhecíamos mudou. Agora carpimos as lagrimas e juntamos os dedos à espera que a (nova) normalidade regresse. Certo é que o novo presente é pleno em mudanças. Abraçamos a incerteza, mudámos hábitos, alteramos rotinas. A sociedade sem sono e plena de capitalismo abrandou e pede hoje aos seus stakeholders e aos seus operadores que se adaptem e que conquistem o futuro.  

A low touch economy é o novo estado da nossa sociedade e economia alterada pela COVID-19. Caracteriza-se pela baixa interação social, pela necessidade de proteção de saúde e da vida, por novas mudanças comportamentais, algumas das quais permanecerão para sempre. (1)

Esta disrupção mudou a forma como comemos, como trabalhamos e sobretudo como vemos a nossa saúde. Das três curvas habituais da recuperação económica (curva em V, curva em U e Curva em L) é expectável que iremos navegar numa curva em U, pelo que viveremos um período de transição que poderá ter a duração de 2 anos. (2)




A fisioterapia não escapou a este furacão de mudanças. Muito pelo contrário, esteve e estará olho do furacão. Esta presença deve-se à importância crescente dos fisioterapeutas nas UCI no cuidado de utentes agudos e sobretudo do cuidado essencial no tratamento pós-covid que prestará a estes utentes. Mas mais do que isso, o fisioterapeuta enfrenta hoje uma série de obstáculos que terá de enfrentar nos tempos vindouros. É uma altura ideal para a reflexão, para a criação de uma identidade profissional mais sólida, para fomentar skills até agora descuidados e para melhorar o nosso posicionamento como profissionais de saúde e tornarmo-nos VISIVEIS.

Do ponto de vista económico, a fisioterapia face ao crescente aumento do número de unidades privadas, deverá ter de se profissionalizar do ponto de vista da gestão e da liderança. A indústria terá de se envolver para se desenvolver.

Num sector em franco crescimento (5 a 10% ao ano) deverá este ano sofrer perdas consideráveis. Se olharmos ao número da crise de 2008 onde o sector da saúde teve quebras de até 22%, teremos a ideia do impacto que poderemos ter de enfrentar nos próximos tempos (1). Esta quebra poderá ser maior, devido a pequenas diferenças que advém da época especial que vivemos e que derivam das imposições legais:

     • Restrição de mobilidade;
     • Proteção de grupos de risco;
     • Higiene;
     • Restrição no número de pessoas por local.

À crueldade dos números e o medo próprio da ocasião associa-se uma modificação no padrão e comportamentos do consumidor. Contudo, apesar das mudanças é satisfatório perceber que, no entanto, a maioria dos consumidores acreditam que esta mudança é extremamente positiva e que, a título de exemplo, irão privilegiar os cuidados de saúde, os cuidados pessoais e as atividades de bem-estar. O que para a fisioterapia é a oportunidade a agarrar (3)



“Na guerra também há oportunidades” e é com esta perspetiva que a fisioterapia deverá aproveitar este momento para mudar o seu paradigma, crescer e desenvolver os modelos de negócio tendo por base a adaptação a algumas dos fatores que se esperam ser key drivers essenciais na mudança do comportamento do consumidor (2,4):

     • Aumento da solidão, depressão e ansiedade com impacto direto na doença e na saúde das pessoas com maior enfâse nas doenças musculo-esqueléticas e no manuseamento de situações crónicas;
     • A valorização da higiene e o cuidado que os consumidores demonstram ter nos locais que frequentem deverá ser o mote para darmos o exemplo neste campo;
     • O contacto limitado com grupos etários poderá levar a desenvolver a tele-reabilitação ou o aumento do trabalho domiciliário.

Contudo, a fisioterapia não terá de se adaptar apenas do ponto de vista dos modelos de negócio. O contexto atual provocado pela covid 19 terá consequências na prática do fisioterapeuta, seja pelas imposições legais do uso de EPI’s, o aumento dos seus custos fixos, a criação de um novo contexto de tratamento e da imposição do distanciamento social que trás invariavelmente acoplada uma série de medos. De todos os medos é de destacar obviamente a proximidade necessária à prática da fisioterapia, mas sobretudo o medo do TOQUE. (7)

O toque é ancestral e a sua origem mescla-se com a evolução do próprio ser humano. É por instinto que tocamos nas zonas hiperálgicas do corpo, que pressionamos e que agarramos o nosso próprio corpo (8). É por nos queremos agarrar à vida que nos agarramos a nós mesmos.

A importância do toque para o desenvolvimento social, emocional e físico é indubitável. Desde o feto até ao idoso. Desde o início ao fim da vida. (9)

A fisioterapia evoluiu alavancada pelos efeitos positivos do toque. Cresceu e devido à imaginação do homem deu-lhe um contexto, transformou-a numa arte que potenciada no tempo lhe confere a história que nos trás aos dias de hoje. Contudo, a vertente fisioterapêutica do toque, a terapia manual é tudo menos consensual, despoletando sentimentos contraditórios que oscilam entre a paixão e o ódio.

Nos tempos recentes, a importância da terapia manual tem sido um dos hot topics da fisioterapia, ainda que nem sempre bem discutido. Certo é que com a pandemia e a necessidade de providenciar à distância os cuidados de fisioterapia, mais dúvidas se levantaram acerca da necessidade de inclusão de terapia manual na caixa de ferramentas do fisioterapeuta, em prol da utilização de educação e exercício, ferramentas estas adequadas de uma physiotherapy based practice. O momento, contudo, ditará a desvalorização ou a sobrevalorização de um recurso escasso nos dias correntes: o toque.

O fisioterapeuta, enquanto profissional de saúde responsável, deverá aproveitar este momento da verdade, para perceber as suas falhas e fraquezas e catalisar a mudança de paradigmas (6). Deve aceitar o seu passado, não se deter nas crenças presentes e olhar para o futuro de uma forma ambiciosa e madura. Deverá fazer a advocacia da profissão aproveitando a oportunidade e a vantagem que mudar em termos de pandemia nos confere. É com esta ambição que nos próximos meses irei mensalmente escrever um artigo acerca da terapia manual. Durante os próximos tempos, terei como missão aprender e produzir informação acerca da terapia manual para que no final desta season literária possamos debater mais informados o papel que esta poderá ter na profissão que tanto amamos.


Ricardo Vieira,
Fisioterapeuta | Osteopata | Blogger | CEO & Founder EMOV

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Fonte:

Covid consumer sentiment survey

Europe PMC

How to navigate the world after Covid-19

Impact of COVID-19 on Physical Therapist Practice in Portugal

Learning from Covid - transforming health systems

Os vencedores na "Economia Low Touch"

Paradigm shift in outpatient care post-Covid

Placebo mechanisms of Manual Therapy - A sheep in wolf's clothing

Post-Covid healthcare recovery must be transformative

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