Saúde

Será que os glúteos merecem toda a atenção?

Se uma pessoa sente dor no joelho, dor na anca ou dor na lombar, estarão os glúteos realmente inibidos? De facto, a evidência mostra-nos exatamente o contrário.

Artigo de opinião original escrito pelo formador Ryan Foley, doutorado em Fisioterapia, co-criador do sistema Integrated Kinetic Neurology (IKN) e formador na Master Science Lab no curso de Integrated Kinetic Neurology Approach (IKN) - Level 1. Tradução da responsabilidade da Master Science Lab.



Quando saímos do curso de Fisioterapia, existe uma tendência para se pensar que no fortalecimento dos músculos glúteos está a chave para boa gestão de um sem número de condições músculo-esqueléticas, em particular as que acometem o membro inferior. Na dúvida, colocávamos uma banda elástica à volta dos joelhos e fortalecíamos os glúteos. Todavia, assim que começamos a perceber as estratégias neurológicas que os humanos utilizam para se mover num mundo conduzido pela gravidade, e como estes princípios devem orientar a prescrição do exercício, as coisas tiveram de mudar.

Muitos fisioterapeutas podem estar a fortalecer os glúteos dos seus pacientes sem ter qualquer avaliação de qualidade que guie esse tipo de reabilitação. Existem muitas avaliações obsoletas que tentam identificar o padrão “gatilho” dos glúteos numa posição pronada. Contudo, isto não nos dá qualquer ideia sobre como o indivíduo se move no mundo real. Se as pessoas caminhassem pela rua com as suas ancas, isso poderia ter alguma relevância, mas, no mundo real, os nossos pés são a primeira parte do corpo que contacta com o chão. A distribuição de stress e carga que viaja desde o pé, distal e proximal, guia o que acontece nos tecidos proximais. Se uma pessoa sente dor no joelho, dor na anca ou dor na lombar, estarão os glúteos realmente inibidos? De facto, a evidência mostra-nos exatamente o contrário. Muitas vezes, os glúteos estão a fazer DEMASIADO. Isto não significa que trabalhar os glúteos é “errado”… O que temos que nos questionar é: será que os glúteos merecem toda a atenção?

Para analisar esta questão, também devemos perguntar-nos: quão importantes são, de facto, os glúteos para os nossos movimentos diários? Não são muito. Muitos estudos mostraram que os glúteos permanecem relativamente “calmos” durante uma caminhada ou até uma corrida. Se tivermos em consideração as estratégias neurológicas que os humanos utilizam para se moverem num mundo conduzido pela gravidade, muitas dessas estratégias desenrolam-se de forma distal-proximal. Quando somos bebés e estamos deitados no chão, ainda não dominamos a gravidade e, por isso, temos de nos adaptar a uma estratégia que evolua de forma proximal-distal. Temos de ganhar controlo sobre o movimento dos nossos olhos, da nossa cabeça, da nossa coluna e, lentamente, progredimos até chegar aos pés, onde as coisas se tornam ainda mais interessantes. Agora, já não temos de esperar que alguém nos dê um brinquedo à mesa de jantar. Agora podemos ir buscá-lo sozinhos. Começamos assim a mover-nos e a explorar o mundo de formas cada vez mais complexas. As estratégias que o sistema nervoso usa para nos fazer mover mudam distalmente na direção do movimento das mãos e pés. Quando começamos a desenvolver mais robustez, os tecidos/estruturas proximais começam a adquirir um papel mais autorregulador e a responder ao que as mãos e os pés estão a fazer. Consegue imaginar ter que, conscientemente, pensar no que os seus glúteos têm de fazer a cada passo que dá? Infelizmente, muitos dos nossos pacientes que sentem dor são aconselhados a fazer isso mesmo. Mas, e se a solução não depender diretamente do fortalecimento dos glúteos? E se uma grande parte de nossa abordagem mudasse, para restaurar uma estratégia distal-proximal energética e eficiente? E se os nossos pacientes com dor nas costas e na anca estiveram a usar em demasia uma estratégia proximal-distal e a colocar demasiado esforço consciente em contrair os glúteos à medida que caminham ou se levantam de uma cadeira?


Mesmo que fosse realmente importante considerar os glúteos como um componente “essencial” na marcha, o seu papel consistiria em desacelerar o nosso movimento à medida que avançamos. Os glúteos são músculos anti-gravidade, e partindo de uma abordagem neurológica cinética, se identificarmos “DEMASIADA” atividade nos músculos dos glúteos, é provável que o indivíduo não esteja a lidar bem com a gravidade. Ele está a lutar contra a gravidade. Pode mesmo ter perdido a capacidade de permitir que os tecidos e estruturas dos membros inferiores cooperem bem e, portanto, observar um aumento do carácter protetor dos músculos em torno da anca. Muitos de nós, fisioterapeutas, sabemos isto. Mas será a solução fortalecer os glúteos? Talvez possa ser sim uma das peças do puzzle, mas se contemplarmos a complexa natureza do movimento humano, temos de permitir uma cooperação de qualidade entre várias partes. Temos de valorizar o papel dos tecidos e das estruturas neurológicas utilizadas durante a locomoção.

Não estamos, certamente, a dizer que o fortalecimento dos glúteos é uma estratégia sem sentido, estamos sim a mostrar o quão importante é não culparmos um só músculo. Os glúteos já foram, por tempo suficiente, o centro das atenções. É tempo de pensarmos como os tecidos e os sistemas do nosso corpo estão a cooperar no restauro de um movimento robusto e sem dor, ao invés de culparmos músculos isolados. O sistema nervoso organiza o nosso movimento de acordo com estratégias e não de acordo com o que cada músculo faz individualmente.


Referências Bibliográficas

Arab et al. Chiropractic & Manual Therapies, Altered muscular activation during prone hip extension in women with and without low back pain, 2011

Arab et al, The Activity Pattern of the Lumbo-Pelvic Muscles during prone hip extensions in atheles with and without Hamstring strain injury, The International Journal of Sports Physical Therapy, Volume 9, Número 3, Junho 2014

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