Exercício

Fisiologia e aplicações práticas do treino com oclusão vascular

Nos últimos anos tem-se estudado a possibilidade de coadjuvar o treino de força, seja em processos de reabilitação, seja em processos de melhoria da performance, com uma ferramenta que se chama Oclusão Vascular ou Blood Flow Restriction (BFR)

Durante várias décadas pensou-se que para aumento dos níveis de força e ganhos de hipertrofia era indispensável treinar com cargas relativamente altas [> 65% de uma Repetição Máxima (1RM)], porém nos últimos anos tem-se estudado a possibilidade de coadjuvar o treino de força, seja em processos de reabilitação, seja em processos de melhoria da performance, com uma ferramenta que se chama Oclusão Vascular ou Blood Flow Restriction (BFR).


Caracteriza-se por treinos com cargas baixas (20-50% RM), aplicando-se cuffs insufláveis, torniquetes, ou bandas elásticas na parte mais proximal dos membros, tanto superiores como inferiores, em função do objectivo traçado.


Este tipo de trabalho permite:


  1. Reduzir o stresse mecânico a nível ósseo e articular
  2. Ganho de força e hipertrofia
  3. Potenciar a função vascular e pulmonar
  4. Melhorar o metabolismo ósseo
  5. Uma frequência semanal de treino maior
  6. Obter menor sensação retardada de desconforto muscular


Este tipo de trabalho está contraindicado em:


  1. História de trombose venosa profunda
  2. Gravidez
  3. Pressão arterial alta e e/ou não controlada
  4. Rabdomiólise
  5. Patologia cardíaca
  6. Veias varicosas
  7. História de hemorragia cerebral
  8. Linfedema sistémico
  9. Outras


Sempre que alguma patologia/condição cause dúvida sobre o uso do treino com oclusão vascular, aconselhamos a pesquisa em plataformas de artigos científicos devidamente validadas. Em caso de dúvida opte por não treinar com esta ferramenta.


“A literatura parece indicar que uma prescrição apropriada do BFR, possui um baixo risco de causar um evento de tromboembolismo venoso (TEV)”. Contudo, aconselhamos a recolher um histórico do individuo para pesquisar sinais e/ou sintomas de TEV.


Especial cuidado nos pós-cirúgicos, que nas primeiras 6 semanas têm um risco acrescido de TEV, mas também é nesta fase que os resultados do BFR podem ser amplamente exponenciais.


Atenção que nos 30 a 60 minutos subsequentes a este tipo de treino pode existir uma diminuição da tensão arterial, por outro lado, durante a execução dos exercícios a pressão sistólica e diastólica tem tendência a aumentar, razão pela qual se aconselha que este tipo de treino seja realizado com a supervisão de um profissional especializado.


Os mecanismos fisiológicos subjacentes a este tipo de treino, ainda que sendo um pouco controversos, compreendem:


  1. Promoção de alto stresse metabólico, induzindo processos de isquemia e hipoxia (diminuição do aporte de oxigénio). Este aspecto é preponderante na promoção de hipertrofia, mesmo utilizando cargas mais baixas, o que por si só acarreta menor stresse mecânico, o que é favorável em determinados contextos no âmbito da reabilitação e treino de melhoria da performance.
  2. Regulação hormonal, onde se verifica com este tipo de treino uma produção muito mais acentuada da hormona de crescimento (GH) e insulina tipo 1 (IGF-1), comparativamente ao treino tradicional com cargas elevadas. Acessoriamente verifica-se um aumento reduzido da creatina quinase (CK) o que se relaciona directamente com a degradação proteica.
  3. Promoção de inflamação celular, aumento das espécies reactivas de oxigénio e ainda maior recrutamento de fibras tipo II por diminuição das concentrações de oxigénio, impostas por este tipo de trabalho, parecem ser outros factores na base do sucesso do treino com oclusão vascular.


Os ganhos hipertróficos com este tipo de treino, habitualmente, são percebidos de forma mais célere, e julga-se que o motivo é o apontado no ponto 2) (maior síntese proteica ao mesmo tempo que se verifica menor degradação desta, gerando-se assim um ambiente celular perfeito para o desenvolvimento de massa muscular).


Estudos importantes (meta-análises) compararam o treino com cargas altas com o treino com oclusão vascular e cargas baixas. Percebeu-se que ambos produzem aumento de força, mas estatisticamente favorável ao treino com cargas altas. Também produzem aumento da hipertrofia, com vantagem para o treino com cargas altas mas estatisticamente não significativo.


A oclusão vascular induzida por este equipamento idealmente deve ser sempre individualizada, isto é, cada utente/atleta deve ser sujeito a um determinado valor de oclusão, que na prática pode ser aferido de forma direta ou indireta:


  1. A pressão oclusiva verdadeiramente individualizada é determinada através de um doppler vascular. Este aparelho permite determinar a Pressão Oclusiva do Membro, isto é, qual a pressão mínima necessária para que haja total ausência de pulso. A partir deste ponto, a pressão a exercer deve variar até aos 50% para a extremidade superior e 80% para a inferior.
  2. Escala de Perpecepção Subjectiva de Esforço, é uma das formas indirectas de se calcular qual a pressão a exercer nos cuffs. De acordo com a nossa experiência para uma escala de 10 valores, utilizar o valor 7 e 5 para membros inferiores e superiores respectivamente, parece ser o que melhor se adequa à generalidade das pessoas, porém é obrigatório realizar o teste sempre de forma individual.
  3. Uma segunda forma indirecta de determinar a pressão é através de uma fórmula baseada na Pressão Arterial e na Circunferência do Membro.


a) Pressão Arterial Membro Superior (mmHg) = 0,514 (Pressão Sistólica) + 0,339 (Pressão Diastólica) + 1,461 (Circunferência do Braço) + 17,236

b) Pressão Arterial Membro Inferior (mmHg) = 5,893 (Circunferência da Coxa) + 0,734 (Pressão Diastólica) + 0.912 (Pressão Sistólica) – 220.046


Nota: A circunferência do braço é medida a 50% da distância entre o acrómio e o olecrâneo. Já para a a coxa é a 33% da distância entre a virilha e o bordo superior da rótula.


Embora o treino com oclusão vascular esteja associado a aumento de força e hipertrofia, não deve substituir o treino com cargas altas. Ainda assim assume um papel fundamental em casos de:


  1. Condições clinicas em que não se possam utilizar cargas elevadas, como por exemplo pós cirúrgicos, idosos, entre outras.
  2. Atrofia muscular.
  3. Atletas que apresentem um volume de treino elevado, e não se pretenda induzir uma agressão mecânica tão alta como acontece com o treino com cargas altas.
  4. Atletas que apresentem algum défice muscular, e se pretenda equalizá-lo, para coadjuvar o treino com altas cargas.


Importa perceber que o treino com oclusão vascular não substitui o treino com cargas altas em indivíduos saudáveis, porque interfere quase que exclusivamente a nível muscular e estruturas como por exemplo o tendão ou a cartilagem articular são altamente dependentes do treino com carga/intensidade elevada, para que se possam tornar mais resilientes.


Protocolos


Na literatura apesar de existirem vários protocolos descritos, aquele que mais frequentemente se utiliza é o de 4 séries.


a) 1ª série = 30 repetições

b) 2ª, 3ª e 4ª série = 15 repetições


De notar que, parece ser consensual que o treino, descrito abaixo é o mais eficaz para potenciar resultados:


a) 20-50% de 1RM

b) 50 a 80 repetições por exercício (não é necessário ir até à falha)

c) Descanso de 30-60 segundos (se necessário em fases iniciais o tempo de descanso pode ser superior)


Clinicamente uma frequência semanal de intervenção de 2 a 3x parece ser suficiente, enquanto que com atletas 4x por semana e em alguns casos 2x/dia, parece ser o mais benéfico.


Curiosidade:


O treino com oclusão vascular também foi estudado com a realização de treino aeróbio, e os resultados alcançados foram benéficos no aumento da capacidade cardiorrespiratória, ganho de massa muscular e força, embora não tanto como o treino de oclusão vascular com cargas baixas.


A não esquecer:


  1. De acordo com a nossa experiência, em indivíduos saudáveis, as adaptações ao treino podem ser maximizadas combinando o treino convencional com altas cargas + o treino de baixas cargas com oclusão vascular.
  2. Manipular bem as variáveis e tentar individualizar ao máximo a pressão a exercer nos cuffs. Cuffs mais largos permitem a mesma oclusão mas a uma pressão menor do que cuffs mais estreitos.
  3. Aconselhamos a manipulação de todas as variáveis de forma progressiva, começando com, pressões oclusivas mais baixas, bem como repetições, cargas e frequência semanal. Ao invés os tempos de descanso devem começar por ser mais altos. Desta forma permite habituação ao tipo de treino, mas essencialmente para protecção do cliente e do profissional que supervisiona.
  4. Recolher sempre o histórico do sujeito e perceber se existe alguma contraindicação associada. Em caso de dúvida não usar a oclusão vascular.



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Artigo escrito pelo fisioterapeuta Gustavo Figueiredo. Licenciado em Fisioterapia pela Universidade Fernando Pessoa e mestre em Fisioterapia no Desporto pela Escola Superior de Tecnologia e Saúde do Porto, exerce prática na clínica FISIOGlobal - Saúde Integral, FisioNorte, Castelo da Maia Ginásio Clube e Clínica Sua Saúde.

Ver Mais

Fonte:

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