A dor lombar e a degeneração das estruturas desta região da coluna são uma das causas mais prevalentes de disfunção músculo esquelética e originadoras de incapacidade.
Pese embora o seu elevado impacto social e económico, existe uma grande controvérsia científica, na medida em que não existem grandes confirmações sobre a causalidade e a eficácia dos tratamentos para a dor lombar. Portanto, é basilar questionar: são as alterações degenerativas, como as protusões e hérnias discais (entre outras), as principais causadoras de dor lombar?
Os dados científicos são inconclusivos. E, aparentemente, a resposta mais correcta será o “depende”.
Uma revisão de literatura sobre a população não sintomática revelou um grande nível de incidência de alterações degenerativas – levantando a hipótese de não serem estas mesmas alterações causadoras de sintomatologia. Por exemplo, 37% da população entre os 20 e 30 anos teriam alterações discais e indivíduos com mais de 60 anos teriam cerca de 90% de hipótese de ter algum tipo de alteração estrutural (sem qualquer tipo de sintomatologia).
Ou seja, apesar destes resultados serem prometedores, o mesmo autor, no mesmo ano, tentou comparar, novamente numa revisão de literatura, se havia maior incidência de alterações na população sintomática comparativamente à não sintomática. Os resultados foram interessantes, levando a uma controvérsia com a hipótese anterior, a população com dor lombar tinha maior percentagem de incidência de todas as alterações estruturais estudadas – mas apenas algumas significativamente diferentes – mas foram poucas as que conseguiram ter uma correlação de causalidade com a dor lombar. Curiosamente, as alterações que tinham uma correlação maior com a dor não foram aquelas consideradas de maior severidade, em termos degenerativos.
Assim, em congruência com outros estudos sobre este pormenor, começamos a perceber que a população sintomática poderá ter uma maior incidência de alterações estruturais – não esquecendo a grande percentagem de indivíduos assintomáticas com degeneração da coluna lombar – mas que nem sempre isso significará dor lombar.
Factores como a raça e etnia, a faixa etária e compleição física poderão ser condicionantes importantes para aumentar a correlação de causalidade entre alteração discal e dor lombar. Por exemplo, em faixas etárias mais novas, a incidência de protusões discais parece levar a uma maior probabilidade de dor lombar; a mesma alteração em idades mais avançadas (>50 anos) parece já não ser um factor de predisposição para dor lombar. Também o aumento de peso corporal poderá ser uma agravante nesta relação entre estrutura e função.
Para aumentar a discussão em torno desta disfunção músculo-esquelética, um fenómeno que tem sido estudado é a regressão espontânea do disco intervertebral. A herniação tem vários níveis, dependendo da quantidade de material do núcleo do disco que está extrudido do seu anel. Teoricamente, quanto mais distante o mesmo material está do seu anel mais severa é degeneração/alteração. No entanto, na maior parte dos casos, sem qualquer tipo de intervenção cirúrgica ou terapêutica, ocorre uma regressão à normalidade – quer da sintomatologia, durando em média 6 semanas, quer da alteração discal, variando entre os 9 meses e os 2 anos. Ou seja, sem qualquer tipo de tratamento, é expectável que a sintomatologia e a alteração melhore por si só.
O mais curioso é que quanto maior a severidade da hérnia, maior a probabilidade e rapidez de regressão espontânea do núcleo discal. Ou seja, em casos de sequestro (separação total do material do núcleo do seu anel), há quase 100% de hipóteses de regressão num tempo médio de 9 meses; quanto mais leve a alteração menos probabilidade de acontecer este fenómeno e maior o tempo de ocorrência. Tal deve-se a processos biomecânicos, vasculares e inflamatórios que beneficiam a resolução da alteração estrutural. E, por isso, é interessante perceber que tratamentos são os mais eficazes, sabendo de antemão que normalmente quando nenhuma intervenção é realizada ocorre um regresso à normalidade. Por exemplo, entre a cirurgia e o tratamento conservador (medicação, descanso ou fisioterapia) percebe-se que, num prazo de 2 anos, os resultados são muito similares. Normalmente, com a cirurgia obtêm-se resultados mais céleres e com o tratamento conservador melhores resultados funcionais.
A verdade é que não há grande evidência na eficácia de qualquer tratamento na dor lombar e isto deve-se a várias razões:
1) a dor lombar é uma disfunção com causa multifactorial
2) os tratamentos de fisioterapia descritos nos estudos são normalmente demasiado básicos
3) os tratamentos utilizados nos diversos estudos são diferentes pelo que não é possível comparar resultados
Apesar de toda a falta de congruência no que à evidência científica diz respeito, no que toca à eficácia dos tratamentos mais usuais, aqueles que recebem maior consenso são o descanso activo – ou seja actividade física/exercício – e a terapia cognitiva – maioritariamente baseada na educação. Apesar da sua eficácia na intensidade da dor ser inconsistente, aumenta consideravelmente o nível de participação social e a percepção de bem estar do indivíduo.
Para concluir, tentemos clarificar as inconsistências:
- a cirurgia será uma opção apenas em último recurso ou perante a presença de red flags (comprometimento neural ou outros sinais sistémicos);
- a alteração estrutural poderá ou não estar envolvida no processo doloroso, mas ainda assim acredita-se que havendo influência inicial desta condicionante, com o tempo, a sintomatologia e a própria estrutura voltam à normalidade;
- as terapias conservadoras não apresentam grande eficácia a não ser o descanso activo e a educação.
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Artigo escrito pelo fisioterapeuta João Ferreira. Licenciado em Fisioterapia pela Escola Superior de Saúde do Porto e mestre em Strength and Conditioning na St. Mary’s University Twickenham, é Certified Strength and Conditioning Specialist (CSCS) pela National Strength and Conditioning Association (NSCA) e exerce prática na clínica FISIOGlobal - Saúde Integral.