Ao longo dos anos assistimos a várias propostas para gestão de lesões dos tecidos moles em fase aguda.
O objectivo do presente artigo passa por apresentar a evolução dos princípios que estão na base da gestão da lesão aguda e clarificar algumas questões frequentes como: Devo fazer gelo ou calor? Durante quantos dias? Devo fazer repouso ou devo realizar movimentos? Devo tomar anti-inflamatórios? Devo fazer elevação do membro lesado? (…)
Desde sempre, foram propostos acrónimos (em inglês) sobre os princípios que deveriam reger a gestão da lesão em fase aguda. Abaixo apresenta-se o acrónimo mais antigo que se conhece até ao que, à data de hoje, é considerado o mais actual e suportado por evidência científica.
ICE = A única recomendação passava exclusivamente pela aplicação de gelo.
RICE: Rest + Ice + Compression + Elevation = Ao gelo, já antes proposto, sugeriu-se a inclusão de Repouso [movimentar o menos possível o segmento lesado], Compressão [na região lesada para melhor se gerir uma possível formação de edema/inchaço] e Elevação [auxílio na drenagem do edema/inchaço].
PRICE: Protection + Rest + Ice + Compression + Elevation = Posteriormente acrescentou-se o termo Protecção [que previa a realização por exemplo de ligadura funcional que limitasse parcialmente os movimentos da articulação]
POLICE: Protection + Optimal + Load + Ice + Compression + Elevation = Até há pouco tempo o acrónimo POLICE era o mais comumente utilizado, e comparativamente ao anterior, teve a inclusão de “carga ótima” (Optimal + Load) e retirou-se o repouso (Rest). Advogava-se, portanto, que o repouso total era contraproducente e que assim que fosse possível o utente devia realizar carga selectiva e adequada à fase da lesão em que o sujeito se encontrasse. Os autores exaltam ainda a importância dos factores psico-sociais, além dos biológicos (tríada bio-pico-social) como determinantes na gestão de quadros dolorosos, mesmo em fases agudas.
Na sequência surge uma nova proposta, a mais recente até ao momento, que recebe o nome de PEACE [referente à fase aguda da lesão] e LOVE [referente aos momentos que se seguem à fase aguda].
PEACE: Protection + Elevation + Avoid Anti-inflamatories modalities + Compression + Educate = Aqui na fase aguda a protecção, elevação e compressão continua a merecer destaque, acrescentando-se porém o Avoid Anti-inflamatories modalities [evitar a toma de anti-inflamatórios, uma vez que se tornam prejudiciais pois atrasam ou interrompem o processo natural de cicatrização]. Mesmo a aplicação de crioterapia (gelo) é questionada pelos autores.
Primeiro, porque não há evidência robusta sobre a sua eficácia no tratamento de lesões de tecidos moles, e segundo porque pode também potencialmente interrompem o processo inflamatório, que é absolutamente vital para o normal processo de cicatrização, a formação de novos vasos sanguíneos e a consequente re-vascularização da zona. Acrescentou-se ainda um segundo “E” de “Educação” [pretende-se alertar para a necessidade de educar o paciente sobre os mecanismos que justificam a presença de dor e como esta se processa e ainda alertar que uma abordagem activa (incluindo exercício) apresenta resultados mais consistentes e positivos que uma abordagem exclusivamente passiva (eletroterapia, terapia manual, etc).
Nas 24 a 48 horas pós lesão, os tecidos moles necessitam de LOVE (Load + Optimism + Vascularization + Exercise) = “L” corresponde a “Carga” [uma abordagem activa é benéfica e o stress mecânico, controlado para não agravar a condição, que advém desta carga, deve ser incorporado o mais cedo possível para oferecer maior resiliência às estruturas que sofreram lesão]. “O” corresponde a “Optimismo” [tal como na parte da educação, o profissional de saúde deve explicar ao utente que apresentar competências sólidas em termos emocionais, apresenta-se como uma vantagem para debelar lesões em fase aguda.
Estados de cinesiofobia (medo do movimento), depressão, baixa-autoestima, ansiedade, catastrofização (pensamento que sobrestima o negativismo de uma situação) etc., levam a um pior prognóstico e os resultados nunca serão tão optimizados comparativamente aos sujeitos que se apresentam optimistas e Realistas. “V” de “Vascularização” [Mobilização precoce do segmento lesionado e actividades aeróbias melhoraram a função e aumentam o aporte sanguíneo local, o que significa que mais oxigénio e nutrientes serão mobilizados para a região lesionada. Por exemplo, numa fase inicial de um entorse do tornozelo, realizar actividades como bicicleta (se tolerável) ou remo (sem o apoio do pé lesionado), são bons exemplos de actividades aeróbias em descarga. “E” de “Exercício” [Ponto crucial, pois a evidência científica neste ponto é inequívoca.
Quanto mais cedo se iniciar o exercício de forma controlada, maior será o potencial de recuperar a mobilidade, força, equilíbrio e controlo motor que se perderam aquando da lesão. Para além disto, o retorno à actividade será mais rápido e o risco de sequelas e recidivas fica bastante diminuído.
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Artigo escrito pelo fisioterapeuta Gustavo Figueiredo. Licenciado em Fisioterapia pela Universidade Fernando Pessoa e mestre em Fisioterapia no Desporto pela Escola Superior de Tecnologia e Saúde do Porto, exerce prática na clínica FISIOGlobal - Saúde Integral, FisioNorte, Castelo da Maia Ginásio Clube e Clínica Sua Saúde.