Saúde

Vulvodínia: do diagnóstico ao tratamento conservador

Ao abordar a vulvodínia é importante referenciar declaradamente a sua diferença com uma queixa semelhante: o vaginismo

Ofélia Ferreira tem 24 anos. Num testemunho marcado pela angústia da diferença, o medo e a insegurança, conta-nos como reverteu o diagnóstico de vulvodínia que a impedia, até ao início de 2019, de ter vida sexual com o seu companheiro.


Acompanhada por Maria João Caçador, fisioterapeuta especialista em reabilitação uroginecológica na clínica FISIOGlobal Saúde Integral, Ofélia fez questão de dar a cara por um tema considerado tabu mas que tantas jovens mulheres afecta.



Em Portugal, estima-se que cerca de 750 mil mulheres sofram de vulvodínia.


Muitas são as dúvidas quando o assunto se prende com disfunções sexuais. Se por um lado a dor é o sintoma mais frequente, por outro, o tabu em falar sobre o assunto e explanar a sintomatologia pode consistir como uma barreira comunicativa que acarreta como consequência a procura de soluções para a resolução da queixa, indica-nos Maria João Caçador.


A Ofélia é uma paciente muito especial que decidiu apresentar-se a si própria e à disfunção que apresentava, sem filtros ou constrangimentos. É uma jovem mulher que experimentou, na primeira pessoa, o quão difícil é gerir a dor, sobretudo, associada à região pélvica e urogenital, em situações habituais na vida de uma mulher (menstruação, ginecologista, relação sexual, etc).


Diz-nos a Ofélia, no seu testemunho “não me sentia à vontade para falar com ninguém e bastava uma amiga comentar de momentos que tinha com o namorado ou diversões sexuais que tinham, e eu simplesmente calava-me. Muitas vezes fugia porque não conseguia encarar aquela conversa, porque era algo que comigo não acontecia. Para ela qualquer experiência relacionada com sexo era boa e para mim era má e, por isso, sentia-me anormal.”


Ao abordar a vulvodínia é importante referenciar declaradamente a sua diferença com uma queixa semelhante: o vaginismo; o último refere-se a uma contração involuntária e permanente dos músculos do pavimento pélvico que limita a penetração vaginal (seja de um dedo, pénis, objeto ou instrumento ginecológico), devido à dor perante esta tentativa. A vulvodínia, por sua vez, caracteriza-se pela dor e sensação de ardência ou ardor, persistente pelo menos durante 3 meses. Este ardor é, muitas vezes, descrito pelas pacientes como fisgadas, presença de prurido persistente ao utilizar roupa apertada, nomeadamente cuecas e calças, ardência ao efetuar a higiene íntima, por existir uma hipersensibilidade vulvar.


Apenas uma minoria das mulheres sabe que a parte externa dos genitais femininos se designa vulva e não vagina. A vulva é, portanto, tudo aquilo que conseguimos visualizar, como os grandes e pequenos lábios e o clitóris; a vagina é apenas a via de acesso ao colo do útero e, por isso, apraz referir que a maior parte das terminações nervosas se localiza na vulva e não na vagina.


“Não sabia o que se passava comigo, achava que tinha nascido com uma deficiência”, indica Ofélia. Em bom rigor, tratava-se de uma fraca exploração e conhecimento do próprio corpo. Não existe uma causa conhecida, muitas mulheres ouvem, tal como a Ofélia, “precisa de relaxar, essa dor vem da sua cabeça, se relaxar deixa de sentir dor”.


Contudo, um estudo publicado por investigador da Harvard Medical School, demonstrou que cerca de 60% das mulheres consultam pelo menos três médicos ginecologistas para receberem um diagnóstico e, cerca de 40% que procuram ajuda neste sentido, continuam sem receber diagnóstico ao fim de três consultas.


É também sabido que a ingestão continuada de alimentos com altas doses de oxalato de cálcio (embora não seja aplicável a todos os casos), factores psico-emocionais pela relação directa com as retrações musculares associadas à postura psico-comportamental associada e alterações nervosas são os fatores mais predisponentes.


A dor, por si só, impede o interesse sexual, assim como o curso de uma resposta sexual normal e equilibrada (“haviam alturas em que eu nem queria estar com o meu namorado e temi pelo final do meu namoro pois sei de casamentos que terminam devido a esta dificuldade sexual”), o que do ponto de vista emocional pode ser devastador. Assim, o melhor tratamento deve estar de acordo com o impacto em termos de qualidade de vida e relações interpessoais, assim como deve ser baseado nas necessidades de cada paciente. As abordagens podem incidir em fármacos locais ou sistémicos, bloqueios nervosos, terapia sexual, psicoterapia, fisioterapia uroginecológica e/ou a combinação de várias áreas de saberes.


No que concerne ao tratamento conservador das disfunções sexuais, à luz da fisioterapia, à semelhança do que foi colocado em prática com a Ofélia, preconiza-se uma abordagem centrada no complexo abdomino-lombo-pélvico afim de gerir a presença de uma (hiper)pressão entre diafragmas, dessensibilização cortical para inibir circuitos de dor processados ao nível do SNC e reeducar os estímulos sensitivos; mudança de estilo de vida, essencialmente melhorando o nível de hidratação e a optar por alimentos nutricionalmente mais ricos para baixar a resposta inflamatória sistémica que apresentava.


A fisioterapia inclui também a exposição gradual ao factor de stress, a normalização da correcta atividade muscular/eletromiográfica dos músculos do diafragma urogenital e pélvico assim como a desconstrução de vários mitos associados à educação sexual.


Devolver à mulher a capacidade de sentir e contribuir para a literacia de corpo, contribui para relatos como este: “depois de ter feito fisioterapia, estou com os meus amigos e eles sentem que eu sou mais feliz (…) que estou mais livre. Agora sim, sou uma mulher, sinto-me uma mulher completa pois consigo ter uma relação sexual do início ao fim sem dor. Consigo sentir prazer. É muito bom, nunca imaginava que isso acontecesse. Era algo que eu não tinha na minha cabeça. Antes do tratamento nem um tampão conseguia utilizar e agora até uso um copo menstrual. Foi um sonho que realizei. Agora é tudo muito diferente porque é mais fácil e sinto-me feliz e completa.”     


"Parabéns, Ofélia, por ter uma voz ativa sobre a literacia do corpo, pela sororidade e por enaltecer o contributo da fisioterapia em casos de disfunções sexuais."

Maria João Caçador



Testemunho gentilmente cedido pela clínica FISIOGlobal Saúde Integral, escrito pela fisioterapeuta Maria João Caçador, com autorização da utente Ofélia Ferreira.

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Fonte:

A population-based assessment of chronic unexplained vulvar pain: have we underestimated the prevalence of vulvodynia? Journal of the American Medical Women's Association.

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