Exercício

José Afonso clarifica 10 mitos do treino desportivo

Mitos em torno da variabilidade, assimetria e planeamento no treino desportivo

É sem modéstia que afirmamos que José Afonso Neves é, actualmente, um nome incontornável da investigação cientifica nacional na área do exercício e treino desportivo.


Com um percurso académico invejável – Licenciado em Desporto e Educação Física, Mestre em Treino de Alto Rendimento Desportivo, Doutorado em Ciências do Desporto e Pós-Doutorado no âmbito do Coaching Desportivo e Periodização – foi no Voleibol que José Afonso iniciou o seu percurso.


Ao longo da sua carreira, o reputado docente da FADEUP e membro do Centro de Investigação, Formação, Intervenção e Inovação em Desporto (CIFI2D), tem-se defrontado com um conjunto de questões que o preocupam.


“Sempre senti que aceitávamos demasiados pressupostos sem qualquer base científica, encarando-os como verdades absolutas.”, confessa-nos.


Um desses dogmas prende-se com a ideia de prescrição de treino baseada em valores idealizados, abstratos, muitas vezes de origem desconhecida ou duvidosa.


- Até que ponto as guidelines de prescrição de treino são úteis com o cliente real?

- Deveremos realmente basear a prescrição em médias? Quando são essas referências “médias” adequadas e quando não o são?

- Qual o papel da variabilidade inter- e intraindividual na resposta ao exercício?

- Quais as implicações destes factores para a periodização desportiva?


Para desmistificar muitos dos pressupostos que imperam nos dias de hoje, o José Afonso detalha 10 pontos que lhe parecem urgentes que sejam clarificados:


1. Não existe a postura ideal, nem sequer para um mesmo indivíduo. Isso não significa, porém, que toda e qualquer postura sirva. Os dois extremos estão equivocados.

- Consideramos normal que diferentes pessoas tenham distintas alturas, larguras, diâmetros, pesos, entre outros dados. Porém, estipulamos posturas “médias”, abstractas e tentamos impor normas artificiais aos indivíduos. A postura é dinâmica e altamente individual, embora possam existir limiares a partir dos quais possam contribuir para quadros patológicos. Deveremos evitar a tendência para estipularmos relações de causa e efeito de forma simplista.


2. Não existe uma técnica ideal e única para cada exercício. Cada sujeito é um sujeito e cada situação pode exigir uma solução distinta.

- Um exercício tão popular quanto o full squat poderá exigir técnicas ligeiramente distintas consoante o rácio de comprimento fémur-tíbia, rácio de comprimento membros inferiores-tronco, distribuição regional de massa muscular, comprimento do pé, entre outros factores. Técnicas ideais e normalizadas podem não se ajustar à individualidade.


3. Forçar simetrias num indivíduo pode constituir uma violação da sua anatomia.

- A mesma pessoa pode ter características anatómicas distintas entre lado direito e lado esquerdo. Assim, tentar tornar a pessoa mais simétrica pode constituir uma violação da sua individualidade anatómica. Ademais, certas assimetrias são funcionais para actividades quotidianas e/ou desportivas. A simetria é, na realidade, disfuncional; todavia, as assimetrias só são positivas dentro de certos limites, a partir dos quais se podem tornar patológicas.


4. Certos desequilíbrios de força, além de naturais, são desejáveis.

- Será que a musculatura agonista e antagonista devem observar os mesmos rácios de força em sedentários e em desportistas? E serão esses rácios semelhantes para diferentes velocidades de movimento? Certos desequilíbrios de força são normais e devem ser respeitados e, em certos desportos, poderão mesmo ter de ser acentuados. Devemos ser cautelosos, em particular, na extrapolação de avaliações de baixa velocidade para movimentos de alta velocidade.


5. Exercícios externamente simétricos produzem, na realidade, efeitos internos assimétricos.

- Muitos exercícios ditos simétricos são, na realidade, altamente assimétricos. Um exemplo são os arremessos de bola medicinal. Dada a anatomia altamente assimétrica da estrutura interna do tronco, associada a pequenas assimetrias nos próprios membros, tais exercícios irão provocar, na realidade, estímulos assimétricos, mascarados por uma ilusão de simetria.


6. A interpretação dos testes que utilizamos tende a ser complexa e não podemos ficar-nos por conclusões simplistas.

- Os testes que utilizamos são, muitas vezes, pouco válidos. O sit-and-reach, por exemplo, é um teste bastante enganador. Apesar de múltiplos fatores envolvidos, existe a tendência de analisar este teste numa base redutora, usualmente associando-o a reduzida mobilidade dos isquiotibiais, o que constitui erro grave. Ademais, é um teste profundamente afetado por numerosos aspetos anatómicos e sujeito a tremenda variação inter- e intraindividual (p.e. sujeitos com MS mais longos tenderão a obter melhores resultados). - Todos os testes poderão ser úteis, desde que não sejam utilizados em isolamento e que evitemos a tentação de estipular relações de causa-efeito.


7. Exercícios cinematicamente simétricos podem não ser cineticamente simétricos.

- Os exercícios externamente simétricos não são, muitas vezes cineticamente simétricos, ou seja, as forças produzidas por um lado podem ser distintas das produzidas por outro. Uma leg-extension, por exemplo, poderá ser cinematicamente equivalente em ambos os membros inferiores, visto a máquina controlar o trajecto do movimento. Porém, do ponto de vista cinético, usualmente estes movimentos são assimétricos, com um membro claramente a produzir mais força do que o outro.


8. Como tal, a simetria aparente do exterior não é garantia de simetria do efeito produzido.

- Um supino com barra pode parecer cinematicamente simétrico, mas o mais provável é que cineticamente seja assimétrico. Exercícios com halteres poderão realçar eventuais assimetrias caso a cinemática do movimento se altere. Porém, ainda assim, não temos a garantia de que, do ponto de vista interno, os efeitos do lado esquerdo e direito sejam idênticos. Com efeito, a participação relativa dos diferentes grupos musculares envolvidos no exercício pode diferir entre lado esquerdo e direito.


9. Pequeníssimas modificações no exercício podem produzir efeitos drasticamente distintos.

- Pequenas variações num simples exercício de treino de força podem modificar completamente os seus efeitos. Como irá cada pessoa, cada atleta reagir a estes diferentes estímulos? Que implicações internas terão diferentes amplitudes, ângulos, atritos e outros factores?

- As guidelines podem ser úteis; porém, quando encaradas como dogma, podem actuar como um colete-de-forças que prejudica o processo, em vez de o auxiliar. Mais ainda: importa que todas as guidelines sejam analisadas de forma crítica, pois nem todas têm a mesma robustez.


10. O conceito de periodização, apesar das aparências de elevada sustentação científica, não está, na realidade, embasado empiricamente.

- A periodização está mais baseada em dogmas e preconceitos do que em ciência solidamente estabelecida.


Se ficou em alerta para a importância do tema, então temos a masterclass certa para si:

8 horas dedicadas à explicação de como os conceitos de variabilidade inter- e intraindividual na resposta ao exercício deveriam representar o core da prescrição e monitorização do processo, ao invés de continuarmos a basear as práticas em guidelines de valor duvidoso.


Com base nisto, o José Afonso irá apontar, ainda, alternativas ao conceito de periodização. Dada a elevada quantidade de pesquisa científica sobre o tema, iremos discutir estes trabalhos de forma crítica, bem como apresentar resultados de investigação do próprio formador, publicada em revistas científicas de relevo.

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