Geral

Entrevista exclusiva a Gabriel Martins da Costa

Consistência. O esforço aparece na busca incessante pelos talentos certos para trabalhar ao meu lado.

Gabriel Martins da Costa, não é apenas o CEO e co-fundador do Grupo CMM, um dos maiores grupos empresariais na área da reabilitação, em Portugal, com 12 unidades clínicas e quase 600 colaboradores. Aos 35 anos, o fisioterapeuta, natural de Aveiro, pai do Salvador, é inspiração para toda uma levada de novos empreendedores que veem na sua trajetória um exemplo a seguir e estudar. Boa parte dessa história está relacionada com o seu perfil empreendedor. Porquê? Exigente, audaz, sonhador e consistente são apenas algumas das características que fazem de Gabriel Martins da Costa um mestre em matéria de empreendedorismo, gestão e liderança empresarial.


Em entrevista à Master, revela respostas que tornam clara a razão dos seus resultados. Uma conversa envolvente, que certamente o prenderá da primeira à última questão.


1. Imagine que tem 10 segundos disponíveis e tem de apresentar-se utilizando 2 frases, como se apresentaria aos nossos leitores?

Sou o Gabriel, Fisioterapeuta, Sonhador, Criador e Empreendedor. Desde que me conheço que todos os dias tento fazer melhor que ontem.


2. Em criança, o que é que queria ser quando crescesse?

O meu pai.


3. Ser a pessoa que é hoje surpreendeu a sua família?

Penso que não. Sempre fui um pouco diferente das restantes crianças e, embora não tenha sido sempre fácil para a minha família lidar com a minha personalidade e irreverência, sempre acreditaram nos meus sonhos.


4. O que se nota primeiro em si: esforço ou talento?

Consistência. O esforço aparece na busca incessante pelos talentos certos para trabalhar ao meu lado.


5. Que imagem é que quer que as pessoas tenham de si?

A real. Alguém que todos os dias se levanta da cama com vontade de mudar o mundo, criando valor para a sociedade e para si próprio.


6. Quem não gosta de si, não gosta porquê?

Provavelmente por desdém. Quem anda no mundo dos negócios e tem algum sucesso, inevitavelmente provoca algumas inimizades. Se quisesse que todas as pessoas com quem me cruzo gostassem de mim, tinha a escolhido a profissão de palhaço.


7. Qual foi a última coisa que aprendeu?

Todos os dias procuro ler algo distinto. Acabei há pouco de ler um artigo interessante sobre a estrutura neural e a sua relação com a felicidade subjetiva. As neurociências fascinam-me, embora seja um leigo na matéria. No último ano além de estar a concluir a tese de Mestrado em Fisioterapia, concluí uma dupla certificação em Coaching e Análise Comportamental com 9 meses de duração. Foi um ano engraçado. Este ano vou iniciar o Programa Avançado para Gestão de Executivos da Católica, com duração de 9 meses.


8. Quais as características que melhor o definem enquanto gestor?

Extraordinariamente exigente, primeiro comigo, e depois com todos os que trabalham diretamente comigo. Consistente na procura constante da melhoria dos processos de trabalho. Insistente na gestão por objetivos e na definição dos processos. Adepto extremo da filosofia Kaizen, seja no trabalho, seja na vida pessoal: “transformar o positivo em melhoria e a melhoria em excelência”. Um otimista racional permanente.


9. Quais foram/são as suas maiores dificuldades enquanto gestor?

Aprender a dizer que não. Aprender a racionalizar antes do otimismo se instalar. Ser ponderado nos investimentos mais avultados.


10. Qual é a sua rotina matinal?

Agora com um bebé de 18 meses, é cuidar dele ao início da manhã. Termino o dia muito tarde, normalmente depois das 22:30, portanto o início da manhã, reservo-o para ele e para mim. Depois, tomo o primeiro café do dia - normalmente sempre na mesma padaria - enquanto leio as notícias no jornal em papel e verifico as notificações e tarefas mais importantes na nossa plataforma interna. Quando chego ao escritório (normalmente já está a minha malta a trabalhar), verificamos juntos algumas urgências ou pendências imediatas. Só depois inicio a rotina prevista no calendário.


11. Quais são os seus principais hábitos a nível profissional?

1. Calendarizo as tarefas num sistema criado por nós, com datas (metas) e ordem de prioridade. Ajuda-me a ser mais eficaz e eficiente.

2. Delego o máximo de tarefas possíveis (é um processo muito difícil e que ainda estou a melhorar).

3. Procuro sempre ouvir todas as oportunidades de negócio. Nunca digo não à partida a nada. Mas hoje sou muito mais criterioso na escolha de novos negócios ou oportunidades.

4. Reuniões semanais com as equipas de liderança, embora haja comunicação constante com a ajuda das novas tecnologias.

5. Crio dossiers digitais para todos os projetos ou ideias, com sistematização (uma parte desenvolvida por nós, e também com ferramentas já conhecidas como o Business Model Canvas).


12. Livros que o inspiraram ou marcaram, a nível profissional e/ou pessoal? Porquê?

1. “Drive” e “Vender é Humano” do Daniel H. Pink são dois livros que aconselho vivamente a qualquer pessoa, seja ou não empreendedor. Especialmente o Drive é um livro que nos ilumina a forma como encaramos o que nos motiva, e aos outros. Ajudou-me e ajuda a ter uma perspetiva totalmente diferente da motivação do ser humano, seja no trabalho ou na vida pessoal.

2. “Economista Disfarçado” de Tim Hook, é um livro que fornece uma introdução aos princípios de economia, de fácil leitura e excelente para quem não tem ensino superior na matéria.

3. “Pensamento Lean” de João Paulo Pinto, é um livro interessantíssimo, português, sobre a filosofia Lean e como podemos utilizá-la transversalmente na vida e na empresa, com exemplos práticos.

4. “Erro de Descartes” do Prof. António Damásio é um livro extraordinário, que nos ilumina com a noção de que não é coerente separar a razão da emoção, emoções estas que são parte indispensável da nossa vida racional. Compreende-se com Damásio que são as emoções que nos equilibram nas nossas decisões, e por isso temos que construir um alicerce adequado dentro de nós mesmos para que racionalmente sejamos capazes de superar os desafios da vida.

5. “Os 7 hábitos de pessoas altamente eficazes” de Stephen R. Covey, é uma das bíblias da alta performance. Especialmente nos primeiros 3 hábitos Covey foca-se fundamentalmente na capacidade de autocontrolo e automestria, ou capacidade para atingir vitórias pessoais que requeiram a mudança de paradigma: da dependência via independência, com objetivo de interdependência. Segundo Covey o nosso carácter é uma coleção de hábitos que têm um poderoso papel nas nossas vidas. Hábitos que consistem em conhecimento, competências e desejos. Conhecimento permite-nos saber o que fazer; competências permitem-nos a habilidade para saber como fazer e o desejo é a motivação para o fazer.


13. O que é que o motivou a criar o seu próprio negócio?

Um ex-sócio meu desafiou-me para pensar numa ideia de negócio na área da restauração e tecnologia. Juntos na altura criámos o primeiro negócio em Viseu (ainda estava no 2.º ano da faculdade, na CESPU), foi uma época louca. Pedi algum capital emprestado ao meu pai, que depois de alguma insistência, lá cedeu. Devolvi o valor 2 anos depois com 50% de juro (embora sem que ele o exigisse). O que me motivou para avançar para esse primeiro negócio (Cyberbar) foi o facto de querer criar algo que na altura não era comum, e que dependesse fundamentalmente de mim e das pessoas que comigo estavam no projeto. Foi de um amadorismo brutal, mas tínhamos algo diferenciador, sabíamos o que o cliente gostava, e capitalizámos isso. Com o aproximar do fim do bacharelato a decisão de venda foi natural, e foi um ótimo negócio e acima de tudo uma ótima escola, um autêntico MBA no terreno. Acho que mais do que tudo, a vontade de criar levou-me para o Empreendorismo. Quando estava a terminar o Bacharelato, fundámos o Centro Médico da Murtosa (eu, o meu pai, e mais 2 sócios) que mais tarde deu origem ao Grupo CMM que hoje se espalhou pelo país. Sem ter passado por aquele primeiro negócio em Viseu, que aparentemente nada tem relação com serviços de saúde, dificilmente hoje conseguiria responder aos desafios diários da mesma forma.


14. Quais eram as suas expectativas iniciais e quais foram os resultados nos primeiros 3 anos?

Os primeiros 3 anos no CMM foram muito intensos fisicamente. Trabalhava como Fisioterapeuta 8 a 10 horas, e depois participava na parte burocrática depois dessas 10 horas. Às vezes não ia a casa durante a noite, porque me perdia a criar Instruções de Trabalho, Procedimentos, e outros documentos. Ainda hoje alguns dos documentos mais importantes da empresa foram criados nessa altura. Financeiramente foi difícil, é sempre assim nos primeiros anos de um negócio, mas com espirito perseverante, consistente no tempo e robustez nos processos, acabámos por pensar em mudar de instalações na primeira clínica, no fim desses 3 anos, pelo constante aumento da procura. Tenho muitas saudades desse tempo.


15. Quais as suas principais preocupações ao nível da gestão do seu negócio?

Intrinsecamente, acima de tudo, corresponder às minhas próprias expectativas de gestão, que são elevadas. Depois ser capaz de honrar todos os compromissos, especialmente para com as quase 600 pessoas que hoje trabalham no Grupo nas várias áreas de negócio, saúde, tecnologia e indústria. Extrinsecamente, preocupa-me a constante mudança política. Quando não há uma estabilidade de longo prazo na gestão de um país, como conseguimos planear a longo prazo nas empresas? Muito difícil…


16. Qual é para si o elemento mais importante num negócio? A missão? O carisma do fundador?

O elemento mais importante num negócio são os processos e a sua repercussão nas pessoas que nela trabalham, e dela dependem. Eu gostaria que as minhas empresas não precisassem de mim. É para isso que trabalho todos os dias, para essa independência salutar. Criar interdependência apenas nos processos e nas pessoas, e não no fundador. É logico que numa fase inicial o carisma é importante, e a liderança presente também, ainda hoje é importante, mas cada vez mais delegado.


17. Como avalia o sector da reabilitação?

O sector da reabilitação ambulatória, onde a Fisioterapia se insere e onde representa mais de 80% dos cuidados de saúde especializados, está a atravessar um período de mudança que tardava. Cada vez há mais exigência dos financiadores (seguros, subsistemas do Estado e do próprio cliente), e cada vez a concorrência é mais capaz, mais eficiente, e mais próxima. Considero que o futuro é risonho dado o aumento expectável e constante da procura, quer pelo envelhecimento natural da população, quer pelo natural aumento da exigência da qualidade de vida desta população envelhecida, que acarreta um maior aporte financeiro para esta área. A consciência e literacia da população mais jovem também permite e cada vez mais permitirá, uma maior procura por cuidados de Reabilitação diferenciados. É, portanto, um setor que tenderá a crescer acima do crescimento natural do PIB português e europeu, e que terá cada vez mais peso na economia global ocidental.


18. Como é que as mudanças na área da reabilitação impactaram a forma como se gerem negócios, actualmente?

Vejo dois grandes desafios: um é a captação de talento para trabalhar por conta de outrem. Há uma forte tendência ao trabalho liberal, ao Empreendorismo, logo após a saída da faculdade. Penso que isso é muito positivo, mas que seria ainda mais se estes empreendedores natos, quisessem maturar a sua experiência profissional e crescimento pessoal durante 1 a 3 anos por contra de outrem; um segundo desafio é a exigência dos financiadores (subsistemas, seguros e clientes) que cada vez mais querem mais resultado por cada euro investido, e muito bem. Isso está a colocar uma pressão nunca antes vista no sector, e que considero uma fantástica oportunidade para quem está preparado para lidar com ela.


19. Que 3 conselhos daria a alguém que pretende enveredar pelo empreendedorismo?

1. Ser consistente: Empreendorismo é uma maratona, não um sprint. Consistência acima de tudo, sprints leva a fadiga precoce.

2. Ser resiliente: nem tudo vai correr bem. Aliás, no inicio, especialmente se o terceiro ponto não for bem feito, vai correr muita coisa mal. Há que ser positivo e voltar a tentar, mas fazendo de forma diferente.

3. Planear, Preparar, Agir, Vender: a maior parte dos negócios falham por falta de planeamento, por falta de capacidade de entender os fundamentos de qualquer negócio. As vendas surgem porque temos que entender a nossa vantagem competitiva no mercado, a nossa diferenciação dos restantes. Não chega ser o mais barato (pode até ser contraproducente), ou o mais cientista. Temos que corresponder ao que o cliente procura, e para isso temos que o saber, preparando um estudo de mercado. A maior parte dos jovens empreendedores não procura saber nada sobre o seu mercado, nem tão pouco o que o cliente procura. Isso é condenar à partida aquele negócio. Agindo de acordo com o plano, garante o foco necessário para subir as vendas, lenta e progressivamente. E o resto acontece naturalmente.

Ver Mais

Partilha este artigo

Share to Facebook Share to Twitter Share to Google + Share to Mail

Newsletter Fica a saber tudo para seres cada vez melhor. Regista-te aqui!