Saúde

Recuperação do Pavimento Pélvico Após Trauma Obstétrico

Durante o parto por via vaginal são geradas forças de distensão que originam compressão e, frequentemente, lacerações

Artigo de autoria de Maria João Caçador, formadora do curso Fisioterapia nas (Dis)funções do Pavimento Pélvico.


Depois do parto, as disfunções mais frequentes são as do pavimento pélvico. Durante o parto por via vaginal, a passagem da cabeça fetal pelas estruturas musculares, articulares, nervosas e circulatórias presentes na cavidade pélvica, geram forças de distensão, o que origina compressão e, frequentemente, lacerações. Estas lesões são mais severas em partos de fetos macrossómicos, partos instrumentados, e partos com fetos de apresentação cefálica em rotação ou flexão.


O trauma obstétrico pode dar origem ao aparecimento de prolapsos dos órgãos pélvicos - bexiga (cistocelo), útero (histerocelo ou prolapso da cúpula) e/ou intestino (retocelo) - devido à alteração da função de suporte e sustentação, cujo sintoma principal é a sensação de peso ou de pressão à entrada da vagina. Esta queixa também pode ser acompanhada de sintomas de incontinência urinária e/ou fecal e gases, bem como dor à penetração vaginal. Em algumas situações, devido à descida visceral dentro da pélvis, pode haver também queixas de dificuldade em iniciar a micção ou a defecação. As orientações através das guidelines indicam que a intervenção de primeira linha perante o diagnóstico de prolapso dos órgãos pélvicos deverá ser conservador através de medidas de fisioterapia e correção dos fatores de risco presentes para o agravamento desta condição clínica disfuncional. Em alguns casos, e dado o estadio do prolapso, a idade materna, e os antecedentes ginecológicos e obstétricos, poderá estar indicada a cirurgia, contudo, há também necessidade de cumprir um plano de reabilitação a fim de evitar a recidiva.


Em termos de lesões articulares típicas do puerpério, aparecem comumente as luxações do cóccix e mais raramente as diástases da sínfise púbica. Acredita-se que são estruturas predispostas a disfunção devido às flutuações hormonais da gravidez da relaxina e da elastina que tornam estas estruturas e os tecidos adjacentes mais laxos com o objetivo de permitir a mobilidade articular e facilitar o parto, ou seja, são alterações consideradas fisiológicas. Em caso de luxação, a paciente irá sentir e reportar dor incapacitante, que aumenta com o teste de percussão na articulação lesada, e em caso da separação da sínfise púbica, além da dor, sensação de instabilidade lombo-pélvica.


Relativamente às lesões nervosas, evidencia-se a paralisia obstétrica cuja afetação de determinados nervos, nomeadamente ramas do nervo pudendo, nervo retal inferior, nervo perineal, nervo obturador e nervo femoral, acontece devido não só à compressão, mas também ao tempo de compressão destas estruturas com a descida da cabeça fetal (sobretudo se se trata de um feto macrossómico) e à instrumentalização. As consequências de uma disfunção nervosa são alterações motoras: paralisia e debilidade de músculos enervados pelos segmentos em causa, assim como alterações da sensibilidade.


Os objetivos da fisioterapia em saúde pélvica devem ser aplicados, se possível, ainda na gravidez a fim de preparar as estruturas físicas envolvidas no processo de parto, promover o parto fisiológico e prevenir sequelas pós-parto, uma vez que durante a gravidez e parto, a parede abdominal está submetida a forças de pressão, extrema tensão e estiramento, e como consequência, as estruturas que compõem e encerram a cavidade abdomino-pélvica torna-se mais vulneráveis, motivo pela qual são frequentes queixas urinárias, anorretais, sexuais e dificuldade no retorno à prática de exercício físico após o parto para incrementar o trabalho muscular abdominal.


A consulta de avaliação por parte do Fisioterapeuta no pós-parto, deve acontecer entre as 4-6 semanas desde o dia do nascimento do bebé, e assume uma importância de destaque na assistência às mulheres e tem como foco aferir as alterações neuro-músculo-esqueléticas ocorridas na gravidez e no parto, perceber eventuais mecanismos de lesão e fatores de risco major, e planear um plano de intervenção adequado, quer seja profilático ou de tratamento, para cada mulher.

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Fonte:

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