Saúde

SEXO NO PRÉ-PARTO: A FISIOTERAPIA PARA ALÉM DO PAVIMENTO PÉLVICO [2/2]

  • O papel do Fisioterapeuta no período de pré-parto deverá ter não só em conta a prevenção das disfunções urinárias, mas também a educação na função sexual. Sendo este período envolto por variadas adaptações hormonais, fisiológicas e psicossociais é importante que a mulher seja avaliada por uma equipa multidisciplinar.

     

    A intervenção do Fisioterapeuta, nas suas diversas valências, apresenta uma taxa de eficácia na ordem dos 77%.

    Durante a gravidez, supõe-se que o repetitivo peso sobre o pavimento pélvico, o alongamento (e trauma) das estruturas do tecido conjuntivo, fáscias pélvicas e músculos (em particular o trauma sobre o músculo pubovisceral[4]), predispõem as mulheres a disfunções do pavimento pélvico, tais como incontinência urinária e prolapso dos órgãos pélvicos. [1] [7] Sabe-se também que mulheres que tenham um parto vaginal tem uma maior incidência de incontinência urinária e fecal que aquelas que fazem cesariana, [8, 9] porém não existe consenso acerca da associação do tipo de parto com o impacto na função sexual. [1, 2] Contudo existe evidência que descreve que mulheres que se submetem a uma cesariana, demonstram piores resultados ao nível da qualidade de vida no período de 6 meses após o parto. [6, 8] [10, 11]

    A presença de sintomas urinários e fecais poderá ter um impacto negativo na função sexual através da perda de urina à penetração, urgência durante o ato sexual, reduzida lubrificação e dispareunia. [1, 2, 12] O treino dos músculos do pavimento pélvico para além da resolução de sintomas na incontinência [9] demonstrou ter um efeito positivo ao nível do potencial orgásmico em mulheres previamente anorgásmicas devido a um baixo tónus muscular de base, bem como na melhoria do desejo sexual, performance e a obtenção do orgasmo. [3, 8]

    São diversas as queixas relacionadas com a disfunção do pavimento pélvico no período que sucede o parto até 12 meses, nomeadamente: lubrificação insuficiente, sensação vaginal anormal, laxidão vaginal, estreitamento vaginal, dispareunia e incontinência à penetração. [13] Aintervenção da fisioterapeuta demonstra ser eficaz na gestão e resolução da dor no pavimento pélvico [3, 14], na incontinência de esforço e prolapso dos órgãos pélvicos,[9, 15] assim como na laxidão vaginal. [13]

    Sabe-se que a intervenção do Fisioterapeuta nas suas diversas valências desde o como o uso de biofeedback, dilatores, estimulação elétrica e TENS, educação, fisioterapia multimodal e abordagens multidisciplinares são eficazes na diminuição da dor penetrativa e na melhoria da função sexual[14], apresentando uma taxa de eficácia na ordem dos 77%.[3]

    No período da gravidez, vários estudos[1, 2] relatam um decréscimo da frequência da relação sexual penetrativa no início do primeiro trimestre, assim como na transição do segundo para o terceiro, sendo esta mais predominante no último. [1, 2] Contudo, parecem não haver alterações ao nível dos comportamentos não vagino-penetrativos, tais como sexo orogenital, genitoanal, masturbação, beijar ou acariciar ao longo dos trimestres. [1]

    Adicionalmente, durante este período evidenciam-se frequentemente receios comuns na maioria dos contextos culturais nomeadamente o medo de uma interrupção involuntária da gravidez, possível dano ao feto, entrada em trabalho de parto prematuro, ou ainda possível infecção. Estas preocupações parecem ser mais prevalentes durante o terceiro trimestre, o que poderá indicar que a redução na frequência de relações sexuais poderá relacionar-se mais com estes estes receios do que a alterações na excitação, lubrificação ou presença de dor/dispareunia. [1]

    Consequentemente, parece haver uma maior tendência para determinadas posições sexuais ao longo da gravidez no qual a posição de gatas e a prática de sexo anal são utilizadas mais frequentemente. Os estudos parecem ser contraditórios ao nível do predomínio ou declínio do uso da posição de missionário ao longo dos trimestres, porém posições em que a mulher ou o homem estejam em cima tendem a diminuir na rotina sexual dos casais durante o segundo trimestre.[1, 2, 12]

    Ainda que hajam alterações ao nível da vivência do acto sexual durante a gravidez, a sexualidade e intimidade na maioria dos casais encontra-se preservada. [1, 2] Assim, o papel do Fisioterapeuta deverá ser acrescido no sentido de educar no sentido de promover a exploração de várias componentes da sexualidade do casal através de, por exemplo, sugerir e motivar a variedade nas posições sexuais que possam vir a aumentar o conforto e prazer do casal, e promover a exploração dos momentos de intimidade por parte do casal. Adicionalmente existe uma necessidade de explorar e ajudar a dissipar receios que poderão estar na origem da evitação ao coito, assim como educar acerca das fases do parto e consequentes efeitos hormonais ao nível da lubrificação e libido.[3, 9, 13-15]

    Existe uma enorme carência de artigos científicos que avaliem o impacto da função sexual masculina na função sexual da mulher durante a gravidez assim como o papel do parceiro na saúde sexual do casal. No mesmo contexto, mais esforços deveriam ser feitos ao nível da avaliação de impacto de factores de cariz sociais, culturais e religiosos que poderão influenciar a sexualidade e saúde sexual durante a gravidez. [2]

    Em suma, o papel do Fisioterapeuta no período de pré-parto deverá ter não só em conta a prevenção das disfunções urinárias, mas também a educação na função sexual. Sendo este período envolto por variadas adaptações hormonais, fisiológicas e psicossociais é importante que a mulher seja avaliada por uma equipa multidisciplinar. O modelo multidisciplinar obriga a que o Obstetra trate da componente médica, os psicólogos e terapeutas sexuais abordem a componente psicossocial e os fisioterapeutas reabilitem a parte muscular do pavimento pélvico – tendo aqui tanto um papel na reabilitação, prevenção e educação na saúde sexual. [3]

     

    Ler 1.ª parte do artigo aqui: Sexo no pré-parto: a fisioterapia para além do pavimento pélvico [1/2]

     

    Referências:

    1. Jawed-Wessel, S. and E. Sevick, The Impact of Pregnancy and Childbirth on Sexual Behaviors: A Systematic Review. (1559-8519 (Electronic)).
    2. Leeman, L.M. and R.G. Rogers, Sex after childbirth: postpartum sexual function. (1873-233X (Electronic)).
    3. Rosenbaum, T.Y., Pelvic floor involvement in male and female sexual dysfunction and the role of pelvic floor rehabilitation in treatment: a literature review. (1743-6095 (Print)).
    4. Ashton-Miller, J.A. and J.O. DeLancey, Functional anatomy of the female pelvic floor. (0077-8923 (Print)).
    5. Shafik, A., The role of the levator ani muscle in evacuation, sexual performance and pelvic floor disorders.
    6. Barrett, G., et al., Women's sexual health after childbirth. (1470-0328 (Print)).
    7. Miller, J.M., et al., Evaluating maternal recovery from labor and delivery: bone and levator ani injuries. (1097-6868 (Electronic)).
    8. Dean, N., et al., Sexual function, delivery mode history, pelvic floor muscle exercises and incontinence: a cross-sectional study six years post-partum. (1479-828X (Electronic)).
    9. Bo, K., Pelvic floor muscle training in treatment of female stress urinary incontinence, pelvic organ prolapse and sexual dysfunction. (1433-8726 (Electronic)).
    10. Serati, M., et al., Female sexual function during pregnancy and after childbirth. (1743-6109 (Electronic)).
    11. Signorello, L.B., et al., Postpartum sexual functioning and its relationship to perineal trauma: a retrospective cohort study of primiparous women. (0002-9378 (Print)).
    12. Johnson, C.E., Sexual health during pregnancy and the postpartum. (1743-6109 (Electronic)).
    13. Kolberg Tennfjord, M., et al., Effect of postpartum pelvic floor muscle training on vaginal symptoms and sexual dysfunction-secondary analysis of a randomised trial. (1471-0528 (Electronic)).
    14. Morin, M., M.S. Carroll, and S. Bergeron, Systematic Review of the Effectiveness of Physical Therapy Modalities in Women With Provoked Vestibulodynia. LID - S2050-0521(17)30012-4 [pii] LID - 10.1016/j.sxmr.2017.02.003 [doi]. (2050-0521 (Electronic)).
    15. Hay-Smith, J., et al., Pelvic floor muscle training for prevention and treatment of urinary and faecal incontinence in antenatal and postnatal women. (1469-493X (Electronic)).

     

    Autora do artigo:

    Aline Filipe é fisioterapeuta especialista em pelviperineologia e uroginecologia, presentemente a exercer na clínica Mosman Women’s Health/SquareOne, em Sydney (Austrália), sendo a criadora do The Pelvic Tuner, uma plataforma educacional e de advocacia para as condições do pavimento pélvico. Da formação especializada que apresenta destaca-se:
    - Women’s Health and Nutrition Coach pelo Integrative Women's Health Institute, USA
    - Pós-graduação em Saúde da Mulher pela ESTESL
    - Licenciatura em Fisioterapia pela Escola Superior de Saúde de Alcoitão 
    - Instrutora de Clinical Pilates 
    - Instrutora de Therapeutic Yoga com especial foque na dor pélvica feminina 
    - PINC cancer rehab certified Physiotherapist 
    - Master em técnicas hipopressivas – Método Hipopressivo M. Caufriez
    - Formação específica avançada em dor pélvica, disfunções sexuais e uro-fecais por Tarryn Hallam, Women’s health training associates
    - Formação específica em neurologia e neuro dinâmica do pavimento pélvico por Sandy Hilton
    - Formação específica em reabilitação do pavimento pélvico em Pediatria, na dor pélvica e na disfunção sexual masculina na dor e pós tratamento oncológico

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