Saúde

Acupuntura clínica: uma revisão sistemática

A acupuntura contemporânea constitui hoje uma nova abordagem clínica, na qual os princípios de tratamento são baseados exclusivamente nos conceitos actuais de anatomofisiologia

Artigo escrito por Antonio Garcia Godino, fisioterapeuta e formador da Master para o curso de Acupuntura Clíncia




A pesquisa sobre a acupuntura cresceu exponencialmente nos últimos 20 anos [1].


Durante este período, registaram-se mais de 13.000 estudos realizados em 60 países, incluindo centenas de meta-análises com resumo dos resultados de milhares de estudos em humanos e animais. Uma ampla variedade de áreas clínicas foi estudada, incluindo dor, neoplasias, gravidez, acidente vascular cerebral, transtornos do humor, distúrbios do sono e inflamação, apenas citar alguns. [1]


Deixou de ser possível afirmar que a eficácia da acupunctura é atribuída ao efeito placebo ou que é útil apenas para a dor músculo-esquelética.


Uma revisão recente examinou guidelines clínicas mundiais, criadas por uma variedade de grupos, incluindo instituições governamentais de saúde e grupos de especialidades médicas. Durante um período de 27 anos, encontraram 2.189 recomendações positivas para a acupunctura para 204 problemas de saúde, principalmente em guidelines publicadas na América do Norte, Europa e Austrália. [2]


Estas recomendações oficiais indicam que a evidência da acupunctura é agora reconhecida por médicos especialistas, deixando de ser uma prática clínica “alternativa”. Na verdade, estes novos dados mostram que a acupunctura é um dos tratamentos mais amplamente recomendados na medicina moderna. [1]


Abaixo alguns exemplos de resultados de estudos comparativos entre acupunctura e tratamentos convencionais:

- Meta-análise datada de 2013 comparou tratamentos físicos para osteoartrite do joelho e descobriu que, perante estudos de alta qualidade, a acupunctura teve um maior efeito. [3]

- Meta-análise de 2015 comparou tratamentos com adição de exercício no tratamento do conflito subacromial e concluiu que a acupunctura foi o tratamento adjuvante mais eficaz entre 17 intervenções, superando todos os outros complementares como injecção de esteróides, anti-inflamatórios não esteróides (AINEs) e terapia de ultra-sonoterapia. [4]

- Estudo comparativo de 20 tratamentos para a ciática, datado de 2016, classificou a acupunctura como a segunda terapia mais eficaz após o uso de agentes biológicos, superando a manipulação manual, epidurais, discectomia vertebral, opióides, exercício e denervação por radiofrequência. [5] 

- Em 2018, uma metanálise concluiu que a acupunctura era mais eficaz do que os medicamentos para o tratamento da obstipação crónica e com o menor número de efeitos colaterais. [6]


No entanto, é a ação da acupunctura na neurofisiologia da dor a temática mais extensivamente pesquisada ao longo dos últimos 60 anos.


As vias nervosas sensoriais envolvendo fibras nervosas especializadas (Aδ, Aβ e C, para sermos precisos) e as vias descendentes do sistema nervoso foram mapeadas e numerosos compostos bioquímicos foram identificados, incluindo neuropeptídeos opióides e não opióides, e neurotransmissores como serotonina, norepinefrina, dopamina, citocinas, glutamato, óxido nítrico e ácido gama-amino-butírico (GABA). [1]


A analgesia por acupunctura mostrou envolver várias classes de neuropeptídeos opióides produzidos naturalmente, incluindo encefalinas, endorfinas, dinorfinas, endomorfinas e nociceptina (Orphanin FQ). [1]



Entre os neuropeptídeos não opióides, a substância P (SP), o peptídeo vasoativo intestinal (VIP) e o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), que desempenha um papel central na patogénese da enxaqueca, têm sido investigados pelos efeitos analgésicos e anti-inflamatórios da acupunctura. [7, 8]


Muitos trajetos bioquímicos e de sinalização foram identificados como tendo um papel direto no modo como a acupuntura alcança os seus efeitos clínicos.


Não obstante, o caminho mais central e que explica a eficácia da acupunctura num conjunto tão diversificado de áreas clínicas, é o facto de dar início imediato a um processo denominado de sinalização purinérgica, um sistema primitivo [9] e ubíquo que usa adenosina e ATP para sinalização e regulação de todos os tecidos e sistemas de órgãos. [10]


Em suma, é seguro afirmar que a acupunctura contemporânea constitui hoje uma nova abordagem clínica, na qual os princípios de tratamento são baseados exclusivamente nos conceitos atuais de anatomofisiologia, havendo distinção clara com os conceitos da medicina tradicional chinesa.


Privilegia-se, portanto, uma visão atual da acupunctura, e de como a estimulação do sistema nervoso periférico através da punctura nos diferentes tecidos (pele, tecido muscular, periósteo, cápsulas articulares e punctura peri-neural), permite modular a função do próprio SNP e SNC, com efeitos a nível local, segmentar, extra-segmentar e central ou supra-segmentar.


Neste modelo clínico, torna-se obrigatória uma avaliação detalhada e exaustiva, clínica e funcional, do utente, previamente a qualquer programa de tratamento. A correta identificação da disfunção segmentar (segmentos neurológicos medulares) tem um papel fulcral e permitirá planear o tratamento adequado à patologia neuro-músculo-esquelética.


Atenção!


Este curso afasta-se totalmente dos esoterismos da medicina tradicional chinesa e é totalmente direcionado ao fisioterapeuta e à sua abordagem no sistema neuro-músculo-esquelético, tendo em conta toda a evolução que a área denota.


Não se pretende, por isso, formar acupunctores, mas sim enquadrar a prática da punctura enquanto técnica coadjuvante na intervenção em fisioterapia invasiva.


Referências Bibliográficas


1. Koppelman, M. H. (s/d). Acupuncture: An Overview of Scientific Evidence. https://www.evidencebasedacupuncture.org/present-research/acupuncture-scientific-evidence/


2. Birch S, Lee MS, Alraek T, et al. Overview of Treatment Guidelines and Clinical Practical Guidelines That Recommend the Use of Acupuncture: A Bibliometric Analysis. The Journal of Alternative and Complementary Medicine Published Online First: 18 June 2018.


3. Corbett MS, Rice SJC, Madurasinghe V, et al. Acupuncture and other physical treatments for the relief of pain due to osteoarthritis of the knee: network meta-analysis. Osteoarthritis and Cartilage 2013;21:1290–8.


4. Dong W, Goost H, Lin X-B, et al. Treatments for shoulder impingement syndrome: a PRISMA systematic review and network meta-analysis. Medicine (Baltimore) 2015;94:e510.


5. Lewis R, FLCOM NHWPF, PhD AJS, et al. Comparative clinical effectiveness of management strategies for sciatica: systematic review and network meta-analyses. The Spine Journal 2015;15:1461–77.


6. Zhu L, Ma Y, Deng X. Comparison of acupuncture and other drugs for chronic constipation: A network meta-analysis. PLoS ONE 2018;13:e0196128.


7. The Acupuncture Evidence Project – A Comparative Literature Review 2017 – Acupuncture.org.au. 2017; 1-81. http://www.acupuncture.org.au/OURSERVICES/Publications/AcupunctureEvidenceProject.aspx


8. Fan AY, Miller DW, Bolash B, et al. Acupuncture’s Role in Solving the Opioid Epidemic: Evidence, Cost-Effectiveness, and Care Availability for Acupuncture as a Primary, Non-Pharmacologic Method for Pain Relief and Management–White Paper 2017. Journal of Integrative Medicine, 2017; 15:411–25.


9. Verkhratsky A, Burnstock G. Biology of purinergic signalling: Its ancient evolutionary roots, its omnipresence and its multiple functional significance. Bioessays, 2014; 36:697-705.


10. Burnstock G. Purinergic signaling in acupuncture. Science 2014.


11. Fried NT, Elliott MB, Oshinsky ML. The Role of Adenosine Signaling in Headache: A Review. Brain Sci, 2017;7.


12. Faas MM, Sáez T, de Vos P. Extracellular ATP and adenosine: The Yin and Yang in immune responses? Molecular Aspects of Medicine, 2017; 1–11.


13. Whiteside TL. Targeting adenosine in cancer immunotherapy: a review of recent progress. Expert Review of Anticancer Therapy 2017; 17:527–35.


14. Masino SA, Kawamura M Jr., Cote JL, et al. Adenosine and autism: A spectrum of opportunities. Neuropharmacology, 2013; 68:116-21.


15. Woods LT, Ajit D, Camden JM, et al. Purinergic receptors as potential therapeutic targets in Alzheimer’s disease. Neuropharmacology 2016; 104:169–79.


16. Burnstock G, Ralevic V, Perez DM. Purinergic Signaling and Blood Vessels in Health and Disease. Pharmacol Rev 2014; 66:102–92.


17. Burnstock G. Purinergic Signaling in the Cardiovascular System. Circulation Research 2017; 120:207–28.


18. Burnstock G. Purinergic signalling in endocrine organs. Purinergic Signalling 2013; 10:189–231.


Ver Mais

Partilha este artigo

Share to Facebook Share to Twitter Share to Google + Share to Mail

Cursos Relacionados

Newsletter Fica a saber tudo para seres cada vez melhor. Regista-te aqui!