Exercício

É seguro para os joelhos passarem os dedos dos pés durante um agachamento?

Neste artigo, baseado na evidência científica, Tim Rowland, especialista na reabilitação do LCA, esclarece um dos maiores mitos de sempre, associados ao treino de força.

Artigo de opinião escrito por Timothy Rowland, especialista em reabilitação do LCA e formador para o curso ACL Injury Rehabilitation: From Plinth to Performance


Um dos maiores mitos associados ao treino que ouvimos por aí é que os joelhos não devem passar dos dedos dos pés durante um agachamento, caso contrário, os joelhos irão explodir… ou algo assim. Esse mito, como muitos outros mitos, provavelmente começou com um estudo antigo que foi mal interpretado e esse conhecimento, incorreto, foi sendo transmitido ao longo de anos e anos culminou nas falsas, mas altamente difundidas crenças, que ainda hoje em dia persistem - os mitos. 


Um dos estudos que pode ter contribuído para essa crença foi realizado em 2003 por Fry et al. (1), que observaram como os torques articulares nos joelhos e na anca mudavam ao restringir o deslocamento do joelho para frente, durante um agachamento. Como é possível verificar na imagem abaixo em "A" permitiu-se que os joelhos avançassem livremente, enquanto em "B" foi pedido que não passassem os dedos dos pés.




O que descobriram foi que, ao limitar o deslocamento do joelho para a frente, simplesmente acontecia que o stress provocado nos joelhos era transferido para a anca/parte inferior da coluna. Assim, enquanto no agachamento com movimento restrito do joelho se verificou uma diminuição de 22% no torque do joelho, verificou-se, em simultâneo, um aumento de 1070% no torque da anca! Ou seja, este passa a ser muito mais um trabalho realizado pela musculatura da anca e da região inferior da coluna e, consequentemente, torna-se um método de agachamento potencialmente mais perigoso para a região lombar.


Assim sendo, embora seja verdade que o stress anterior do joelho aumenta à medida que os joelhos avançam durante um agachamento, é importante saber que o nível de stress provocado nos joelhos que vão ligeiramente à frente dos dedos dos pés durante o agachamento ainda está BEM dentro dos limites que o joelho pode tolerar (2). Referência: Schoenfeld 2010.


Além disso, para atingir a profundidade MÁXIMA durante o agachamento, os joelhos precisam, quase sempre, de passar o limite dos dedos dos pés. Os weightlifters olímpicos são um ótimo exemplo disso: precisam de treinar o agachamento em profundidade máxima, neste desporto e, por isso, muitas vezes, agacham com os joelhos a passar além dos dedos dos pés e com cargas elevadíssimas também!




Este mito é também, muito provavelmente, perpetuado pela dica muito comum “joelhos na linha dos pés” que, na verdade, significa não deixar os joelhos caírem para dentro ou para fora e mantê-los alinhados com os pés. Isso sim, é muito mais importante cumprir, pois não apenas garante uma transmissão de força eficiente através da articulação do joelho, como também o colapso interno do joelho (ou valgo dinâmico) tem sido cada vez mais associado a lesões do Ligamento Cruzado Anterior (LCA), ou seja, não é uma boa ideia para encorajar este padrão de movimento.


O que as pessoas também tendem a esquecer é que cada tipo de agachamento deve ter diferentes níveis de deslocamento do joelho para frente, devido às diferentes exigências impostas às articulações do membro inferior pelas diferentes posições da barra. Aqui fica ordem do deslocamento do joelho para a frente, do mais para o menos esperado, nas diferentes versões do agachamento:


Agachamento frontal > Agachamento "high bar" > Agachamento "low bar" > Agachamento na caixa


Portanto, não é de esperar que se tenha o mesmo nível de deslocamento do joelho para a frente num agachamento frontal, em comparação com um agachamento "low bar".


Espero que fique, assim, bem claro que não há necessidade de restringir completamente o movimento do joelho para a frente ao agachar. No entanto, provavelmente não é uma má ideia limitar o deslocamento "excessivo" do joelho para a frente para evitar tensão indevida no tendão patelar e na articulação patelofemoral. E, por excessivo, estou a referir-me a joelhos com mais de 15-20cm de avanço em relação dos dedos dos pés, a cada repetição e em indivíduos que agacham frequentemente e com cargas elevadas.


Importa dizer que não há nenhum estudo realizado para quantificar o que é considerado “excessivo”. É apenas um valor que eu estimei a partir de minha própria experiência clínica.

Dito isto, há indivíduos que podemos beneficiar por limitar o deslocamento do joelho para a frente durante um agachamento aqueles com dor no joelho anterior, ou seja, dor na frente dos joelhos (3) Referência: Rudavsky 2014. Nesta população, a redução do stress na zona anterior do joelho pode permitir um agachamento mais livre de dor. Se este é seu caso, eu recomendaria fazer movimentos de agachamento que requerem menor deslocamento do joelho para frente (ou mais canelas verticais), como agachamento de caixa ou o agachamento "low bar" (4) Referência: Swinton 2012.


Espero que estas minhas considerações tenham esclarecido este enorme mito associado ao treino. Bons agachamentos!


Referências Bibliográficas


1. Fry AC., Smith JC, Schilling, BK. Effect of knee position on hip and knee torques during the barbell squat. J Strength Cond Res. 2003 Nov;17(4):629-33. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14636100


2. Schoenfeld BJ. Squatting kinematics and kinetics and their application to exercise performance.J Strength Cond Res. 2010 Dec;24(12):3497-506. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20182386


3. Rudavsky A, Cook, J. (2014) Physiotherapy management of patellar tendinopathy (jumper’s knee). Journal of Physiotherapy 60: 122–129] http://www.journalofphysiotherapy.com/article/S1836-9553(14)00091-5/fulltext


4. Swinton PA., Lloyd R., Keogh JW., Agouris I., Stewart AD. A biomechanical comparison of the traditional squat, powerlifting squat, and box squat. J Strength Cond Res. 2012 Jul;26(7):1805-16. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22505136


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