Exercício

Talento: Genética ou Esforço?

É importante percebermos que o “génio” utiliza sistemas de resolução de problemas e circuitos neurais completamente diferentes dos utilizados por aprendizes ou pelos “comuns mortais”.

Existe uma ideia muito enraizada de que o fator genético condiciona o máximo de destreza que um indivíduo pode atingir. Ora, esta premissa, como vários investigadores demonstraram, está ERRADA! O limite superior da aprendizagem não é tão genético, nem o caminho até ao limite superior é tão pouco genético.


No início do século XX alguns desportistas conseguiram a façanha extraordinária de correr uma maratona em menos de duas horas e meia. Hoje esse tempo não chega para se classificarem para os Jogos Olímpicos. Porque é que agora conseguimos proezas que antes pareciam impossíveis? A genética da Humanidade é essencialmente a mesma nos últimos 70 anos. Mesmo os avanços tecnológicos não justificam os resultados que obtemos agora, pois os maratonistas de hoje conseguem, mesmo com material desportivo de há cem anos, tempos que antes eram impossíveis. Um maratonista atual consegue resultados que antes eram impensáveis pois consegue dedicar mais tempo à sua prática profissional, porque muda o ponto em que sente que o seu objetivo foi atingido e porque dispõe de melhores métodos. Ou seja, a prática, o esforço, o treino podem levar a performance a níveis que antes julgávamos IMPOSSÍVEIS!


Um estudo de William Chase e Herbert Simon (1973) analisou o desenvolvimento dos grandes génios do xadrez e demonstrou que nenhum deles atingiu um nível altíssimo de performance se antes ter completado cerca de 10 mil horas de treino. O que se pensava ser genialidade era, na verdade, treino intenso precoce.


Outro aspeto curioso é o de que “pressupor” que alguém tem talento parece ser uma maneira eficaz de garantir que o tenha. Ao que parece instala-se um círculo (e não ciclo) virtuoso: ex: os pais de um jovem convencem-se (por qualquer coincidência/motivo) que o filho é um génio do futebol, dão-lhe confiança, apoio e motivação para praticar, e por conseguinte, o filho melhora muito…tanto que parece talentoso. Isto faz com que o jovem seja capaz de aguentar o tédio do esforço da prática deliberada que é o aspeto mais difícil do processo de aprendizagem!


Todos nós já assistimos a afirmações do tipo: “Messi tem um dom natural e Ronaldo é fruto de muito esforço/trabalho” – O ERRO COMEÇA AQUI!


Julgar que aos 8 anos Messi (tal como Ronaldo) não era um perito em futebol é o princípio do erro, pois com essa idade Messi e Ronaldo já tinham mais futebol (leia-se prática) do que a maioria das pessoas no planeta!


Outro aspeto curioso é que existem milhares (para não dizer milhões) de crianças que fazem coisas extraordinárias com uma bola… No entanto, só 2 conseguiram ser Ronaldo e Messi. Isto diz-nos que talvez seja um erro pressupormos que conseguimos predizer quais as crianças que serão os génios do futuro!


É importante percebermos que o “génio” utiliza sistemas de resolução de problemas e circuitos neurais completamente diferentes dos utilizados por aprendizes ou pelos “comuns mortais”.


Tendo em conta tudo isto, facilmente entendemos que devemos dedicar especial atenção ao processo da aprendizagem motora e cognitiva dos nossos alunos/atletas, sabendo que é necessária a prática/práxis para que exista um processo de consolidação do conhecimento, e nunca esquecendo:

“A REPETIÇÃO NÃO GERA PERFEIÇÃO MAS SIM PERMANÊNCIA...O QUE GERA PERFEIÇÃO É FAZER BEM FEITO!”


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Um texto escrito por Tiago Rocha, coordenador científico para a área do Exercício da Master - Science Lab. Licenciado em Ciências do Desporto, com especialização em Treino de Alto Rendimento Desportivo, é mestre em Ensino da Educação Física nos Ensinos Básicos e Secundário, pela FADEUP e pós-graduado em Reabilitação Neurológica (ESS).

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Fonte:

Chase, W. G., & Simon, H. A. (1973). Perception in chess. Cognitive Psychology, 4(1), 55–81. https://doi.org/10.1016/0010-0285(73)90004-2

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