Devemos treinar a mente para potenciarmos os processos inerentes à melhoria da performance?
O nosso comportamento físico depende do desempenho do nosso cérebro?
Usar a nossa imaginação é capaz de nos tornar mais fortes?
O nosso cérebro é capaz de se moldar e adaptar-se às mudanças?
O nosso corpo é produto do que o nosso cérebro é capaz de executar?
Amplamente utilizada na neuroreabilitação, a imagem motora ou motor imagery (MI), tem sido alvo de variadas investigações por parte da neurociência e psicologia, de forma a compreender os processos envolvidos na execução da ação, através do uso de técnicas como imagens cerebrais, estudos magnéticos extracerebrais e do campo elétrico.
As imagens mentais são interpretadas como um processo de simulação cognitiva na ausência de qualquer estímulo externo. É um esforço mental dinâmico no qual um movimento é criado e visualizado mentalmente, ou seja, o indivíduo simula uma ação sem que haja movimento real.
Atualmente, variadíssimos músicos e atletas desportivos usam, diariamente, o MI por ser tão eficaz quanto o treino físico de uma determinada ação, oferecendo grandes benefícios a longo prazo. No entanto, a evidência científica é inconsistente com os efeitos agudos da prática recorrente de MI.
Outro paradigma cada vez mais estudado para melhoria das habilidades motoras é a observação da ação (OA). A observação da ação é um processo que permite adquirir habilidades motoras, através da observação passiva de outro indivíduo a executar uma tarefa.
Várias investigações têm demonstrado que o uso da observação da ação e/ou de motor imagery aumenta a performance motora uma vez que são ativadas regiões do córtex pré-motor e lóbulo inferior parietal, relacionados, respetivamente, com a elaboração e automatização de sequências de movimento para a execução eficiente de uma determinada tarefa e com o processamento visual.
Há autores que salientam que estratégias como a observação de ações, sem treino físico, é capaz de melhorar novos movimentos complexos, como por exemplo sequências de dança.
No entanto, existem estudos que demonstram que as regiões ativadas diferem consoante o tipo de imagem motora: se a imagem motora é visual ou cinestésica.
Imagem motora cinestésica ocorre quando o indivíduo procura obter sensações semelhantes às contrações musculares e à posição dos segmentos corporais. Imagem motora visual diz respeito à visualização de uma determinada imagem. A atividade nas regiões parietais foi semelhante entre ambos os tipos de imagem, mas diferiu entre as regiões motora e visual.
O treino de MI também envolve processos cognitivos semelhantes aquando a realização de comportamentos motores físicos.
A evidência científica salienta a existência de uma relação direta entre as características temporais dos movimentos executados e imaginados. Isto é, as pessoas levam um determinado período de tempo para produzir e imaginar as mesmas ações, como, por exemplo, escrever cartas ou caminhar uma determinada distância.
Tanto os movimentos realizados como os movimentos imaginados seguem trajetórias semelhantes, como compensações ao nível da precisão e da velocidade. Respostas fisiológicas como temperatura corporal, frequência cardíaca e respiração, também mostram padrões de resposta semelhantes durante a imaginação e a execução do movimento.
Assim como, p.ex, os jogadores de basquetebol de elite podem detetar precocemente e com maior precisão o erro no lançamento da bola, do que treinadores e jornalistas desportistas, também os especialistas em críquete podem prever atempadamente a trajetória da bola lançada, pois os jogadores utilizaram o seu próprio sistema motor, ativando determinadas regiões motoras.
Grandes nomes da música já utilizam como prática recorrente o treino de MI, por exemplo, na continuação de uma música ou na visualização de letras de uma melodia, na medida em que auxilia na aprendizagem sensório-motor, no recrutamento de processos cognitivos e na ativação neural do córtex orbitofrontal (ativação semelhante após a prática física), de forma a aumentar a performance musical.
Embora as imagens mentais pareçam comuns e úteis para melhorar o desempenho de novas habilidades e aptidões adquiridas anteriormente, os indivíduos têm diferentes formas e capacidade de imaginar mentalmente.
Mesmo na área do desporto, praticantes de ski relatam que ao utilizarem MI, imaginam imagens do ritmo e do movimento e não apenas imagens visuais e cinestésicas. Por outro lado, músicos experientes mencionam sensações acústicas e táteis, aquando da prática de MI.
Embora se tenha vindo a implementar o treino de imagens motoras em iniciantes desportistas, uma vez que facilita o seu desempenho motor, os atletas de elite também já a utilizam frequentemente, uma vez que induz ganho de força muscular (mas sem hipertrofia muscular), contribui para a aquisição de habilidades motoras e leva a um melhor desempenho físico.
No entanto, esta estratégia deverá ser sempre um complemento à prática do gesto técnico e do treino físico.
Portanto, e em jeito de conclusão, imaginar movimentos que induzem treino de memória muscular, de diferentes partes do corpo, envolve regiões do córtex motor que correspondem somatotopicamente a regiões envolvidas pelo movimento plenamente físico dessas mesmas partes.
Além disso, as imagens motoras modulam a excitabilidade das vias cortico-espinhais motoras, ajudam os músculos a ativarem-se corretamente, de forma a aumentar a força muscular e a ensinar o corpo a mover-se no espaço sem dor ou compensações.
Logo, o treino de MI pode, efetivamente, auxiliar na aprendizagem sensório-motora, recrutando processos cognitivos semelhantes aos envolvidos na execução de ações em tarefas sensório-motoras.
Na nossa prática clínica, recorremos ao uso de motor-imagery como forma complementar de:
1) Melhoria da aprendizagem sensório-motora;
2) Diminuição da sintomatologia;
3) Iniciação do fenómeno de neuroplasticidade;
4) Melhoria da performance e dos padrões de movimento;
5) Aquisição de habilidades motoras;
6) Ganho de força muscular (sem hipertrofia);
7) Diminuição da ansiedade, seja em casos de patologia neurológica e/ou músculoesquelética, em contexto pediátrico, adulto-sénior ou desportista.
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Artigo escrito pela fisioterapeuta Rute Gil que pauta o seu estudo pelo conhecimento e domínio do movimento humano, em particular, o relacionado com a área da reabilitação, treino sensório-motor, trabalho de prevenção e recuperação de lesões, exercendo prática na clínica FISIOGlobal - Saúde Integral.